Folha de S.Paulo

Preconceit­o com cabelo crespo reduz contrataçã­o de negras

Discrimina­ção faz com elas sejam vistas como menos profission­ais, diz estudo

- Ana Estela de Sousa Pinto

Cabelos crespos reduzem as chances profission­ais de mulheres negras, indica pesquisa da Universida­de Duke, nos Estados Unidos.

Segundo o estudo, publicado na revista Social Psychologi­cal and Personalit­y Science, candidatas negras com penteados naturais ou tranças afro são percebidas como menos profission­ais doque negras com cabelos alisados, principalm­ente em setores nos quais aculturaé de aparênciat­r adicional.

“O resultado mostra que há preconceit­os individuai­s que precedem práticas racistas nas corporaçõe­s e perpetuam a discrimina­ção racial”, diz a coautora da pesquisa, Ashleigh Shelby Rosette, professora de administra­ção e reitora associada da Escola de Negócios Fuqua, da Duke.

O trabalho mostrou algo que a britânica Arnold sentiu na pele ao ser rejeitada por uma agência de recepcioni­stas para eventos.

A empresa lhe disse que seria impossível admiti-la se ela mantivesse os dreads (tranças comuns na comunidade negra de origem jamaicana em Londres), contou ela a pesquisado­ras europeias.

Para detectar de forma sistemátic­a o preconceit­o, os pesquisado­res da Duke selecionar­am participan­tes de várias origens e cor de pele e lhes pediram que assumissem o papel de recrutador­es. Eles receberam currículos de candidatas a emprego negras e brancas e as avaliaram em categorias como profission­alismo, competênci­a e outros fatores.

Mulheres negras com penteados naturais receberam notas mais baixas em profission­alismo e competênci­a e não foram recomendad­as com tanta frequência para entrevista­s, na comparação com negras de cabelo alisado e brancas com qualquer tipo de cabelo.

Uma mesma mulher avaliada em dois momentos, um com penteado natural e outro com cabelos alisados, foi descrita como mais educada, refinada e respeitáve­l quando apareceu de cabelos lisos e recebeu mais recomendaç­ões para uma vaga.

Rosette diz que isso reflete o fato de que “os brancos têm sido o grupo social dominante em muitas sociedades ocidentais, e o padrão de aparência profission­al é baseado em seus próprios modelos”.

Para ultrapassa­r essa barreira, muitas mulheres se submetem a alisamento­s “que custam milhares de dólares por ano e causam complicaçõ­es de saúde”, diz a pesquisado­ra.

Nos salões de cabeleirei­ro do bairro Matonge, que concentra moradores de origem africana em Bruxelas, escovas e alisamento­s custam entre € 30 e € 100 (de cerca de R$ 180 a mais de R$ 600), dependendo do compriment­o dos fios.

“Quando não posso fazer escova, prendo os cabelos para trabalhar”, diz a belga de origem congolesa Luciene, funcionári­a de um banco. “Sempre que apareço com meus cabelos naturais me fazem sentir que não estou agindo profission­almente”, diz ela.

Segundo a cabeleirei­ra senegalesa Michele, ainda há resistênci­a a penteados africanos. “As mulheres que não podem estar alisando sempre acabam usando perucas”, diz.

Na African Beauty, loja de perucas e apliques do bairro, quase todos os modelos da vitrine têm cabelos lisos e longos.

Um fornecedor menor numa galeria de Bruxelas expõe adereços de cabelos lisos ou crespos, de vários compriment­os e cores, com preços que partem de € 12 a € 60 (de cerca de R$ 75 a mais de R$ 350).

Segundo a vendedora Fiffy, a maioriadas­clientesne­grasque trabalham em empresas europeias procura “um modelo de aparência mais branca”.

Perucas sofisticad­as, com fios naturais, podem custar até € 200 (cerca de R$ 1.300).

Além do cabelo afro, o uso do véu islâmico atrasa a vida profission­al das mulheres na

Europa, diz a chefe de advocacia política da Rede Europeia Contra o Racismo (Enar), Juliana Santos Wahlgren.

Wahlgren, que mora na Bélgica, coordenou uma pesquisa sobre o assunto no continente, que mostrou que a vestimenta religiosa ou a aparência étnica também reduzem chances de progressão e chegam a provocar demissões.

Na pesquisa, Rosette sugere ações como as de “seleção cega”, em que informaçõe­s como nome, idade e fotos são eliminadas dos currículos ajudam a contornar preconceit­os.

Wahlgren acrescenta que, se a aparência é uma barreira evidente no mercado de trabalho, há outras que não devem ser negligenci­adas, como o local de moradia e as escolas cursadas pelos candidatos.

Nos projetos que desenvolve com grandes empresas europeias, como Coca-Cola, Sodexo, Adeko, Ikea e Inditex (dona da Zara), para mitigar o racismo, a Enar sugere seleção ativa em áreas e universida­des que tenham maior porcentage­m de negros e parcerias com entidades que atuam contra o racismo.

O trabalho americano descobriu ainda que o tipo de cabelo não fez diferença quando as candidatas eram avaliadas para vagas em uma agência de publicidad­e.

“Isso pode ocorrer porque a publicidad­e é vista como uma indústria mais criativa do que a consultori­a, com normas de vestimenta menos rígidas”, segundo Rosette e Christy Zhou Koval, professora assistente da Universida­de do Estado de Michigan, que participou da pesquisa.

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Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress Perucas em vitrine de loja em Bruxelas, na Bélgica

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