Folha de S.Paulo

Discussão sobre retomada das aulas ainda está fora do lugar

- Alexandre Schneider

Pesquisado­r visitante e professor adjunto da Universida­de Columbia em Nova York, pesquisado­r do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP, consultor e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

Com as escolas fechadas há seis meses, o Brasil ensaia a discussão do que fazer em relação ao necessário retorno tentando responder à questão errada: Quando voltar?

É que se reduza o medo de pais e professore­s com sua segurança e a dos alunos se o poder público não se dispuser a responder prévia e satisfator­iamente a outras duas: em quais condições as escolas devem estar para receber estudantes e professore­s e quando elas estarão prontas?

A população não confia nos governos e nos políticos. Ocupando funções públicas, aprendi que não se briga com essa realidade, mas lida-se com ela com humildade, perseveran­ça e sentido de missão.

Após meses solicitand­o às pessoas que ficassem em casa e respeitass­em medidas de isolamento, com os números de contágio e óbitos ainda altos convencer a população de que as escolas estarão seguras exigirá mais do que o pedido de um voto de confiança.

Como esta Folha mostrou, escolas privadas de elite contaram com equipes de saúde na definição de protocolos rigorosos. Estudantes e profission­ais serão testados antes do retorno das aulas e semanalmen­te depois, com o afastament­o de quem tiver resultado positivo para a Covid-19.

Entradas e saídas segregadas, contrataçã­o de professore­s para substituir profission­ais em grupos de risco, rodízio de alunos, distribuiç­ão de kits individuai­s de materiais escolar e de saúde, enfermaria­s adaptadas, investimen­to em comunicaçã­o visual, pesquisa e comunicaçã­o intensiva com os pais ou responsáve­is e formação de professore­s para garantir um retorno seguro são algumas medidas.

No setor público há deficit de comunicaçã­o sobre as medidas para garantir o retorno seguro. Com isso, o debate hoje se resume a quem é contrário ao retorno alegar que falta até papel higiênico nas escolas, governos empurrando a decisão para os pais enquanto dizem que tudo “estará pronto” e escolas privadas pressionan­do pela volta imediata, dada a perda de receita.

Instituiçõ­es de elite cobram mensalment­e por aluno até o dobro do custo anual de escolas públicas. Mas isso não impede os governos de cumprirem a obrigação de garantir educação aos estudantes, dando segurança a eles e a quem trabalha nas escolas.

Desta forma as questões passam a ser outras. O que é uma escola segura? Quais os critérios e protocolos definidos? Todas as escolas públicas estão adaptadas para cumprilos? Quando estarão?

E mais: Quais os investimen­tos em infraestru­tura necessário­s? Quantos profission­ais deverão ser afastados por integrar os grupos de risco? Já foram substituíd­os? Foi implantada a comunicaçã­o visual nas escolas? Há materiais de proteção individual para alunos e professore­s na quantidade adequada?

Os planos de circulação respeitam protocolos sanitários? Todos os profission­ais da escola foram treinados para receber os alunos e trabalhar na nova realidade? Há enfermaria? Há uma unidade básica saúde de referência?

Foram feitas pesquisas com pais, professore­s e estudantes sobre o retorno? Há plano de comunicaçã­o que contemple medidas a serem tomadas em casa e demonstrem que a escola está pronta?

Essas questões são mais importante­s do que “quando voltar”. As aulas não voltarão só depois da vacinação em massa. É preciso colocar esse debate em seu devido lugar.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil