Folha de S.Paulo

Curso de férias melhora, em dez dias, habilidade­s matemática­s de alunos

Abordagem desenvolvi­da em universida­de americana foi testada em estudantes de Cotia (SP)

- Gabriel Alves

Alunos do 5º ano do ensino fundamenta­l de escolas públicas que participar­am de um curso de férias de matemática realizaram afaçanha de, em dez dias, evoluir em média o equivalent­e a 1,3 ano de escolarida­de na disciplina.

O projeto aconteceu em janeiro deste ano, e a análise dos resultados só recentemen­te foi divulgada pelos realizador­es do curso, do Instituto Sidarta, com apoio do Itaú Social, e suporte de pesquisado­res da Universida­de de Stanford, onde foi desenvolvi­da a abordagem utilizada, batizada de Mentalidad­es Matemática­s.

A ideia e raque os estudantes transforma­ssem sua relação coma matemática, por meio de atividades mais visuais, desmistifi­cação do erro no processo e construção colaborati­va do conhecimen­to.

Em um experiment­o parecido conduzido em 2015 na Califórnia (EUA) com alunos do 6º e 7º ano ao longo de 18 dias, houve o equivalent­e a 2,7 anos de avanço na escolarida­de regular em matemática. A abordagem também já foi testada em outros estados dos Estados Unidos ena Escócia.

Tanto no caso americano quanto no brasileiro, o desempenho foi avaliado pelo Mars (Mathematic­s Assessment Resource Service), uma avaliação padronizad­a de matemática.

Aversão brasileira do curso de férias contou com estudantes de duas instituiçõ­es da rede municipal de Cotia, a Escola MunicipalP­refeito Ivo Mario Isaac Pires e o Centro Educaciona­l Unificado de Cotia. A média de resultados dos estudantes locais subiu de 6,8 para 8,4 (de um total de 33 pontos possíveis).

Nas questões, os alunos tinham que, além dedara resposta, demonstrar o raciocínio desenvolvi­do. Para evitar vieses, a correção foi feita por professore­s que não participar­am do curso de férias.

Nessa avaliação, as meninas foram ainda melhor que os meninos, com uma uma nota média 2,55 pontos maior.

Uma dessas alunas é Jakeline dos Santos, de 11 anos. “Eu não ia muito bem em matemática, não conhecia muitas formas de resolver os exercícios. Hoje eu gosto muito de português e matemática; antes era só de português.” A aluna diz ainda que agora cogita, no futuro, seguir em uma profissão na qual a matemática seja importante.

Há hipóteses para explicar a superiorid­ade do desempenho feminino na avaliação.

Segundo Jack Dieckmann, pesquisado­r de Stanford que coordenou o trabalho no Brasil, umapossibi lida deé que, como o currículo ensinado envolvia altos níveis de colaboraçã­o e comunicaçã­o, ele oferecia condições para que as meninas participas­sem mais ativamente.

“Quando pesquisado­res perguntam ameninas sobre suas experiênci­as e desejo de continuara estudar matemática na universida­de, muitas tendem a preferir outras áreas que façam sentido para elas, nas quais as ideias estejam mais conectadas do que geralmente se apresentam na matemática. E isso é verdade mesmo para aquelas com alto desempenho em matemática”, afirma o pesquisado­r.

“Por outro lado, quando a mesma questão é feita para meninos, eles parecem ter uma tolerância maior para instruções desconecta­das de memorizaçã­o mais mecânica.”

“Depois do curso ela perdeu um pouco do medo. A primeira co isaque ela chegou falando em casaéquet inha descoberto que errar faz par tedo processo. E aí passou a melhorar”, conta Natália Gonzaga, mãe de Jakeline.

Por causa da pandemia, Jakeline e os demais estudantes tiveram poucas chances de botar em prática os aprendizad­os. “Ela não conseguiu nem fazer uma prova”, conta a mãe.

A professora Indira Vânia da Silva, 43, foi uma das instrutora­s do curso em Cotia. Para ela, a imersão na abordagem Mentalidad­es Matemática­s foi uma chance de quebrar estigmas.

“Na minha época, as crianças eram rotuladas por não saberem matemática. Eu mesma tinha muitos traumas. Quanto mais pudermos tirar esse ranço da matemática, menos essas crianças vão sofrer.”

Segundo ela, a iniciativa tem uma espécie de poder transforma­dor. “Ela atende a todos, potenciali­za os saberes dos alunos, os agrega e os conecta. Como as atividades têm ‘piso baixo’ e ‘teto alto’, elas servem tanto para crianças com dificuldad­es quanto para aquelas que têm altas habilidade­s.”

“É preciso que os professore­s tenham experiênci­as profundas com uma matemática que é conectada, criativa e visual”, afirma Dieckmann.

“Nós temos exemplos de modelos efetivos de desenvolvi­mentode professore­s que mostram que, quando eles têm um equilíbrio entre teoria e aplicação e um caminho para refletir e refinara prática, eles realmente estão preparados para ensinara matemática do século 21.”

Os resultados da pesquisa mostram ainda que os alunos avançaram não somente no conteúdo matemático­s propriamen­te dito, mas também nas atitudes perante a disciplina.

“A matemática deixou de gerar ansiedade e tornou-se algo desafiante que instiga a curiosidad­e eque desenvolve o raciocínio lógico. Esseéumres ulta do muito bom, pois, apesar de o curso ter durado apenas dez dias, a mudança de atitude e de desempenho dos alunos mostra que ela é aplicável e replicável para o contexto brasileiro”, afirma Ya Jen Chang, presidente do Instituto Sidarta, responsáve­l pelo Mentalidad­es Matemática­s no Brasil.

SegundoDie­c km ann,épre ciso cultiva redirecion­ara iniciativa de forma que ela faça sentido para o contexto brasileiro, e implementá­la numa amostra maior de escolas. “Nós vamos continuar no suporte dessas iniciativa­s, mas o trabalho mais empolgante só está começando”, diz o pesquisado­r de Stanford.

“Omito de que amatem áticaép ar apouco sequeéprec­i sote rum dom já causa impactos negativos no Brasil há gerações. Aboa notíciaé que hoje podemos romper com essas crenças, que vêm causando prejuízos imensuráve­is para o desenvolvi­mento de nosso país”, diz Chang.

“Que tal fazermos as pazes comam atemática e pararmos de nos justificar com ‘sou de humanas, não de exatas’? Somos todos seres matemático­s”, conclui.

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Divulgação Alunos da rede municipal de Cotia desenvolve­m atividades no curso com a abordagem criada em Stanford e batizada de Mentalidad­es Matemática­s

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