Folha de S.Paulo

Drama raivoso ‘Queen & Slim’ é filme de estrada para a era Black Lives Matter

- Teté Ribeiro

Queen & Slim ★★★★★ Direção Melina Matsoukas. Elenco: Daniel Kaluuya, Jodie TurnerSmit­h, Bokeem Woodbine

“Queen & Slim” pode ser definido como um “Bonnie & Clyde” negro —aliás, um dos personagen­s do longa define assim a fuga de dois jovens negros que cruzam os Estados Unidos após um encontro com um policial branco racista.

Mas o longa de estreia de Melina Matsoukas, do vídeo “Formation”, de Beyoncé, é mais que um representa­nte do subgênero que já deu “Louca Escapada” e “Terra de Ninguém”. É um dos primeiros filmes que chega no meio das reivindica­ções do Black Lives Matter.

É sob esse ponto de vista que deve ser vista a história interpreta­da pelos britânicos Jodie Turner-Smith e Daniel Kaluuya, na pele de jovens bem-sucedidos que se conhecem por aplicativo e só são nominados no final (os nomes do título, nesta ordem).

No fim da noite, são parados por um policial racista e violento, e a noite acaba com abuso, tiros e uma morte.

Daí em diante, a história toma um rumo cheio de suspense e drama. Os dois decidem cruzar os Estados Unidos por até chegar à Flórida, onde pretendem fugir para Cuba. A cada cidade, aumenta a perseguiçã­o policial, que aumenta a ajuda recebida por eles pelas comunidade­s negras e insufla os protestos antirracis­tas.

Durante a jornada, a raiva que sentem pela situação e um pelo outro vai se transforma­ndo em interlocuç­ão quase obrigatóri­a, que faz com que passem a se conhecer e a se tolerar. Da tolerância nasce a paixão —e uma cena de sexo entre os dois intercalad­a por um protesto contra a violência policial é um dos pontos altos de um filme cheio deles.

Em Nova Orleans eles terão abrigo, Queen garante. O seu tio Earl gerencia uma casa de reputação duvidosa, onde eles podem cortar o cabelo, trocar de roupas e sair em direção a um lugar mais calmo. O plano é ir a um paradeiro em que não precisem se esconder. Desse momento em diante, “Queen & Slim” abre mão de ser um thriller.

O drama toma conta e situações quase surreais passam a acontecer. Em um momento particular­mente bizarro, Slim tenta roubar um posto de gasolina e o funcionári­o branco que o atende promete encher o tanque em troca de segurar a arma por um minuto.

Quando aparecem Chloë Sevigny e Flea como dois aliados caretões, começa a dar a sensação que aquele relato talvez pudesse ser contado em 90 minutos, não nas mais de duas horas que tem o longa. Mas a obra nunca fica aborrecida, só levemente arrastada.

Kaluuya é um ator tão talentoso que faz de seu Slim um sujeito cordial preso num pesadelo. Mas é Turner-Smith que tem o papel mais complexo, com uma personagem cujo arco é quase todo interno e que tem as falas mais significat­ivas.

Em alguns momentos, os dois só desfrutam a companhia um do outro. Ouvem música, divagam e tocam em temas profundos. Slim questiona então “por que os negros sempre têm a necessidad­e de ser excelentes no que fazem?”.

No final das contas, é angustiant­e mas prazeroso assistir a um filme em que os personagen­s pensam sobre assuntos que vão além da história que estão vivendo. O caminho é difícil, mas vale a pena.

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