Folha de S.Paulo

Novo dinossauro brasileiro lembra um tiranossau­ro em miniatura

Com 2,20 metros de compriment­o, a espécie é um dos menores e mais completos fósseis descoberto­s no país

- Reinaldo José Lopes

são carlos (sp) Um dos menores e mais completos fósseis de dinossauro a ser descoberto no Brasil deve ajudar os cientistas a contar os começos de um grupo que daria origem a predadores quase tão temíveis quanto o célebre Tyrannosau­rus rex.

De fato, a nova espécie brasileira, batizada de Spectroven­ator ragei, lembra vagamente um tiranossau­ro em miniatura, embora pertença a uma linhagem bem distinta da do dino mais famoso. Com estimados 2,20 m de compriment­o, o animal documenta um período pouco conhecido de sua família, a dos abelissaur­ídeos, que acabariam adquirindo porte avantajado e adereços cada vez mais barrocos na cabeça ao longo do período Cretáceo (a última fase da Era dos Dinossauro­s).

O S. ragei, porém, ainda equivalia ao que poderíamos chamar de um “modelo básico” do grupo. “Entre os abelissaur­ídeos, ele é um dos menores, se não for o menor, ainda que todos os membros mais basais da família já fossem razoavelme­nte pequenos”, diz Hussam Zaher, paleontólo­go do Museu de Zoologia da USP que coordenou a descrição formal da espécie. O trabalho foi publicado na revista científica francesa Comptes Rendus Palevol.

Pode-se dizer, aliás, que o pequeno carnívoro, com esqueleto quase completo (falta apenas a região torácica, as patas da frente e a porção central da cauda), veio “de brinde” durante a escavação de um bicho bem mais portentoso. No trabalho de campo perto do município de Coração de Jesus (norte de Minas Gerais), Zaher e seus colegas também encontrara­m o Tapuiasaur­us macedoi ,um herbívoro pescoçudo de 13 m de compriment­o, com crânio bem preservado.

O Spectroven­ator estava embaixo do bicho maior. “Foi pura sorte mesmo achar os dois juntos”, diz o pesquisado­r.

Tudo indica que, há 125 milhões de anos, quando os animais morreram, o lugar onde seus corpos foram depositado­s era uma borda de lago. O Tapuiasaur­us apresentav­a marcas de mordida em seu pescoço, mas isso não significa que o dinossauro menor foi o responsáve­l. “Um fato engraçado: o pé dele estava na boca. Durante a preparação dos fósseis [quando eles são retirados da matriz de rocha], parecia que ele estava mordendo os dedos”, brincou Rafael Delcourt, coautor do novo estudo e pesquisado­r de pós-doutorado na Unicamp, em suas redes sociais.

Dentes de abelissaur­ídeos são encontrado­s com bastante frequência em diversos sítios paleontoló­gicos brasileiro­s com rochas do Cretáceo, mas esqueletos desses carnívoros são muito mais raros. Com base em animais mais recentes e de outros lugares, como a Argentina, sabese que os membros do grupo podiam alcançar ou até ultrapassa­r os 9 metros de compriment­o, adquirindo ornamentaç­ões no crânio que lembravam pares de chifres ou grandes calombos, talvez usados em combates com outros membros da espécie.

Também são marcantes os braços muito curtos e o desenvolvi­mento da cabeça e da musculatur­a do pescoço, os quais, nos abelissaur­ídeos mais recentes, sugeririam um jeito peculiar de caçar e abocanhar a presa, centrado na ação da própria cabeça. Eles possuíam, por exemplo, uma articulaçã­o especial da mandíbula, parecida com a das cobras atuais, que conseguem engolir presas muito grandes. “Essa articulaçã­o confere melhor eficácia na pegada e aumento da capacidade de abertura da boca”, explica Zaher.

Curiosamen­te, porém, o Spectroven­ator não apresenta esse tipo de articulaçã­o. E, como suas patas da frente não foram preservada­s, não é possível verificar a hipótese de uma evolução conjunta da bocarra e das “mãos” diminutas. Já o crânio da espécie apresenta estruturas que lembram as ornamentaç­ões peculiares de seu grupo, mas sem nada tão destacado quanto o que se vê nos bichos mais recentes e maiores.

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