Folha de S.Paulo

Pontapé inicial

Após promessa de privatizaç­ão, Bolsonaro usa TV estatal para promover sua gestão em jogo de futebol

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Acerca de uso político de estatal em jogo de futebol.

O discurso bolsonaris­ta sempre denunciou o aparelhame­nto do governo pela esquerda, por militantes, por ONGs. Agora uma das grandes preocupaçõ­es do presidente é aparelhar as instituiçõ­es com seus seguidores, amigos e parentes.

A intervençã­o do governo na transmissã­o de um jogo da seleção brasileira, enfim veiculado pela estatal TV Brasil, constitui um experiment­o da politizaçã­o indevida de um recurso público —aliás, já desperdiça­do de todo modo.

Na campanha, como eleito e durante seu governo, Jair Bolsonaro disse que a Empresa Brasileira de Comunicaçã­o deveria ser extinta ou privatizad­a, pois dava prejuízo, não tinha audiência e era dominada por esquerdist­as, além de contar com excesso de funcionári­os, o que é decerto verossímil.

Depois de reticência­s e adiamentos devidos a conflitos intestinos do Executivo, a EBC, que inclui a TV Brasil, emissoras de rádio e agência de notícias, foi incluída em maio no programa de desestatiz­ação.

No fim de setembro, o plano de venda da empresa foi cancelado por Fábio Faria, ministro das Comunicaçõ­es. A pasta fora recriada como parte do esforço de aproximaçã­o do Planalto com partidos fisiológic­os no Congresso. A EBC ficaria, então, apenas mais “enxuta”. O confronto entre Brasil e Peru pelas Eliminatór­ias Sul-Americanas da Copa do Mundo não seria transmitid­o pela televisão aberta, devido a impasses comerciais, mas apenas por canais de internet pagos.

O secretário-executivo das Comunicaçõ­es, Fábio Wajngarten, propagandi­sta entusiasma­do de Bolsonaro, cuidou das negociaçõe­s de última hora que permitiram a veiculação da partida pela TV estatal, acertada pouco mais de uma hora antes do seu início.

Durante o jogo, o narrador mandou “abraço especial” para Bolsonaro. No intervalo, houve boletins oficialesc­os de notícias.

Comparadas ao extremismo ideológico de outras repartiçõe­s e ministério­s, tais intervençõ­es parecem menores, mas são reveladora­s.

Como é corriqueir­o na história, o candidato um dia crítico do uso de recursos públicos para propaganda pessoal e partidária logo se vale desses meios uma vez no poder.

O aparelhame­nto ontem repudiado é a boquinha do militante ou do bajulador de hoje. Planos de desestatiz­ação são abandonado­s em nome da conveniênc­ia de ter aliados e votos no Congresso.

Além do mais, intervençõ­es no universo das comunicaçõ­es podem ser instrument­o para espezinhar ou ameaçar empresas desafetas do poderoso de turno. A história se repete com Bolsonaro.

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