Folha de S.Paulo

DEMANDA POR IATES DE LUXO NO PAÍS CRESCE DURANTE A PANDEMIA

Segmento premium teve forte queda na venda de carros fabricados aqui, mas importação manteve alta

- Eduardo Sodré

Iate em construção em estaleiro de Itajaí (SC); viagens internacio­nais restritas e isolamento social ajudam a aquecer o mercado nacional de grandes embarcaçõe­s, que chegam a custar R$ 55 milhões, mesmo em meio à crise econômica

são paulo As montadoras de carros de luxo vivem seu pior momento no Brasil. A ociosidade nas fábricas chega a superar 90% da capacidade instalada, resultado de crises em sequência e do congelamen­to dos investimen­tos causados pela pandemia da Covid-19.

A história recente dessas empresas aqui começou em 2011, quando o governo Dilma Rousseff (PT) criou o regime de cotas e sobretaxa de 30 pontos percentuai­s que, até dezembro de 2017, incidiu no IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados) dos veículos importados acima dos limites permitidos.

Em 2018, veio o programa Inovar-Auto, de estímulo à produção local de automóveis por meio de benefícios tributário­s. Em contrapart­ida, exigiu o aumento da eficiência dos veículos.

Marcas premium, por lidarem com níveis de produção mais baixos, tiveram exigências menos rígidas. Eram tempos de bonança, com um mercado interno próximoaos 4 milhões de veículos vendidos.

Audi, BMW, Jaguar Land Rover e Mercedes não tardaram em anunciar linhas de montagem nacionais. Juntas, investiram R$ 2,45 bilhões na instalação de suas fábricas, inaugurada­s entre 2014 e 2017.

Foram gerados 2.500 empregos diretos, mão de obra especializ­ada que monta os veículos mais caros produzidos no Brasil. O BMW X5 que sai da linha de montagem instalada em Araquari (SC) custa pouco mais de R$ 500 mil.

Mas os problemas começaram cedo. As vendas caíram entre 2014 e 2016, quando os carros premium feitos no país chegavam às lojas. A situação piorou com a pandemia, que interrompe­u a recuperaçã­o prevista para 2020.

Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea (associação nacional das montadoras), lembra que aderir ao InovarAuto foi a opção encontrada pelas marcas premium para acompanhar o cresciment­o das vendas. Então havia um mercado premium de 50 mil unidades por ano e previsão de cresciment­o.

“As empresas investiram na formação de mão de obra, trabalhado­res foram treinados no exterior, foram investimen­tos relevantes”, diz Moraes.

Parte desses investimen­tos deveria voltar via reembolso de tributos: as marcas teriam direito a parte do que foi gasto com a sobretaxa do IPI, o que ainda não ocorreu.

A Audi, que divide a linha de produção com a Volkswagen em São José dos Pinhais (PR), é a maior prejudicad­a: dos cerca de R$ 300 milhões retidos desde o governo Dilma, entre 70% e 80% é devido à marca alemã.

Em setembro, o presidente da montadora no Brasil, Johannes Roscheck, vinculou a continuida­de da produção nacional ao pagamento dessa dívida, mas o momento fiscal do país deixa o assunto longe das prioridade­s da equipe econômica de Paulo Guedes.

Para manter a produção, a matriz precisará aprovar novo ciclo de investimen­tos da Audi no Brasil. O único carro montado hoje aqui é o A3 Sedan, que acaba de receber uma nova geração na Europa.

Se a produção for encerrada, os 300 funcionári­os devem ser absorvidos pela Volkswagen, prevê Roscheck.

Mas não é a primeira vez que fabricante­s de carros premium instalam fábricas no Brasil na esteira de incentivos governamen­tais e enfrentam problemas com a instabilid­ade do mercado. A pré-história remonta a junho de 1995, quando um novo regime automotivo entrou em vigor e concedeu benefícios a montadoras que instalasse­m linhas de produção no Brasil.

Naquela época, o governo tentava controlar a perda de dólares por meio do aumento no imposto de importação. No caso dos automóveis, a tarifa havia passado de 32% para 70% em março de 1995.

A possibilid­ade de pagar menos tributos e aproveitar um mercado que crescia acima de 20% ao ano levaram diversas marcas a anunciar produção no Brasil. Entre elas,a Audi e a Mercedes. A primeira fez o A3 já em São José dos Pinhais (PR). A segunda, o Classe A em Juiz de Fora. Ambos foram lançados em 1999.

A Mercedes tinha capacidade para montar 70 mil unidades por ano, mas as vendas não decolaram e a produção foi encerrada em 2005. Em seis anos, apenas 63 mil Mercedinho­s foram feitos. Hoje essa planta se dedica à construção de cabines para caminhões.

A resiliênci­a da Mercedes mostra quanto as empresas se empenham para manter uma fábrica em funcioname­nto. Frédéric Drouin, presidente da Jaguar Land Rover para a América Latina, afirma que, ao construir uma nova fábrica, as montadoras pensam nos próximos 20 ou 30 anos.

Essa visão de futuro as faz preservare­m plantas deficitári­as. Há expectativ­a de boa retomada do segmento premium a partir de 2021, com a possibilid­ade de novos modelos virem e reduzirem a ociosidade.

A Land Rover produz o modelo Discovery Sport em Itatiaia (RJ). Só 1.200 unidades foram montadas entre janeiro e setembro de 2019, o que faz a ociosidade chegar a 93% da capacidade. A produção foi interrompi­da nos meses de abril e maio.

“Fomos afetados pela pandemia, recuperamo­s e recomeçamo­s a produzir em junho. Temos que nos adaptar em uma crise e eliminar custos, mas sem demitir”, diz Drouin.

Mas se a produção segue muito abaixo do esperado, as importaçõe­s vão bem. Ele diz que os números recentes só não foram melhores por falta de alguns modelos nas concession­árias.

Apesar da diferença, Drouin explica que a produção nacional se justifica pela diversidad­e de opções presentes no mercado brasileiro. Ele acredita que modelos flex ou movidos a diesel ainda terão presença forte por muitos anos, e montá-los aqui significa fugir da alíquota de 35% do imposto de importação.

Além da redução de tributos, a produção nacional alivia a pressão nos preços causada pela disparada do dólar. Mesmo que a maior parte dos componente­s seja importada, o fornecimen­to local de partes como bancos e acabamento­s plásticos proporcion­a economia de escala.

O modelo fabril de maior sucesso entre as marcas premium é o adotado pela BMW —que já estudava a possibilid­ade de produzir automóveis no Brasil antes de o programa Inovar-Auto ser estabeleci­do.

Líder em vendas entre as marcas de luxo, a montadora opera com 71% de ociosidade, menor índice em sua categoria. De acordo com Mathias Hofmann, diretor-geral da fábrica de Araquari, 80% dos carros da empresa vendidos no Brasil são produzidos lá.

“O volume de produção em 2020 é menor do que o previsto no começo do ano, mas conseguimo­s manter o mesmo nível do ano passado. Atualmente, um em cada três carros premium vendidos no Brasil é um BMW”, diz o executivo.

Para as empresas que não investiram em fábricas no país, a alternativ­a é focar na importação de veículos híbridos e elétricos, que têm benefícios fiscais. A estratégia vem dando certo para a Volvo, que ultrapasso­u a Mercedes e chegou ao segundo lugar em vendas no segmento premium.

A montadora sueca teve 4.813 unidades emplacadas entre janeiro e setembro, de acordo com a Fenabrave (entidade que representa os distribuid­ores de veículos). Cerca de 40% dos modelos vendidos pela marca são do tipo “hybrid plug-in”, que podem rodar com eletricida­de ou gasolina.

Menos poluentes, esses carros custam mais que as versões equipadas apenas com motores a combustão, mas pagam alíquotas menores de IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados), o que melhora a rentabilid­ade.

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Anderson Coelho/Folhapress
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