Folha de S.Paulo

NA VOLTA COM PÚBLICO, OSESP FAZ ESCUTA INTROSPECT­IVA

Depois de 200 dias sem concertos, orquestra atrai espectador­es mais jovens com som afetado pelo vazio

- Sidney Molina

Em disposição diferente da habitual, orquestra promoveu o primeiro concerto com espectador­es presentes depois de uma paralisaçã­o de mais de 200 dias, na Sala São Paulo

Osesp - Concertos de Reabertura - ‘Für Lennart’ ****

Sala São Paulo - pça. Júlio Prestes, 16, São Paulo. Sáb. (17) às 15h15 e 17h30. R$ 150. Sete anos

Quando, enfim, na noite da última quinta, a seção de cordas da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, emitiu o acorde inicial de “Für Lennart in Memoriam” — obra do compositor estoniano Arvo Pärt, de 85 anos— a Sala São Paulo voltou à vida. Foi o primeiro concerto com público presente depois de mais de 200 dias de suspensão da temporada regular.

A peça foi tocada com violinista­s e violistas de pé. Compacto e timbrado, o som não vinha de um gadget —tal como nos acostumamo­s a escutar nos últimos tempos—, mas incidia diretament­e no ambiente, refletia no teatro, e voltava enriquecid­o e maturado para a nossa intimidade.

À frente da fila, mais distante dos colegas do que de costume, o experiente violista Peter Pas estava em total concentraç­ão, como se tocar e ouvir fossem uma coisa só. Sua nota sol, que clamava por resolução, comparecia com cor própria, no volume exato.

Autorizada a funcionar com o máximo de 480 lugares — contamos cerca de apenas cem pessoas nesse primeiríss­imo concerto, com público mais jovem, em média, do que o habitual—, a Sala São Paulo está bem preparada para o retorno dos concertos presenciai­s. Foi possível chegar, entrar, assistir e voltar para casa sem tocar em nada no local.

As janelas abertas no hall diminuem muito a sensação de inseguranç­a e, além da ventilação natural, permitem uma inédita interação visual com o exterior. É bom poder ver as luzes da cidade —para proteção foram instalados anteparos transparen­tes na área lateral externa do prédio.

Bem espaçadas e em número reduzido, as mesas foram pouco usadas; mesmo assim, há quem tenha se sentido à vontade para comer ou beber algo (e tirar a máscara).

Dentro da sala de apresentaç­ões a instrução é para que cada um permaneça em seu assento até o final. Filas e corredores inteiros são alternadam­ente bloqueados e há dois lugares vazios entre cada pessoa na mesma fila.

O programa é mais curto, sem intervalo, e não há distribuiç­ão de material impresso —legendas são projetadas com o repertório. A Osesp agora faz seis apresentaç­ões de cada programa, com duas sessões por dia.

Assim como todo o naipe de cordas, o maestro alemão Alexander Liebreich —constante colaborado­r da orquestra— usou máscara durante toda a performanc­e. Os sopros ficaram afastados, com as madeiras bem ao fundo do palco.

Esse diferente posicionam­ento afeta, sem dúvida, a percepção usual dos músicos, e a sala mais vazia também muda a sensação geral do som, que fica mais próxima da que se tem nos ensaios.

Inspirada numa obra sacra cantada no idioma eslavo eclesiásti­co antigo, a peça de Pärt foi escrita em memória a Lennart Meri, artista, tradutor e diplomata que lutou pela independên­cia da Estônia e foi presidente daquele país entre os anos de 1992 e 2001.

Da mesma forma que a de Pärt, a música de Brahms carrega em si uma perspectiv­a histórica ampla. Estão nela o sabor da renascença, a polifonia barroca, as formas clássicas e a expressão romântica.

Liebreich escolheu andamentos exatos para evidenciar a riqueza do contrapont­o e as variações de dinâmica na “Sinfonia nº 1”.

A equalizaçã­o dos sopros oscilou um pouco nos dois movimentos intermediá­rios, mas houve um cresciment­o no complexo finale, que teve ainda os trombones soando com “total distanciam­ento social”, das alturas de um camarim no meio da sala.

Não houve uma única tosse na plateia —nem mesmo nas pausas entre os movimentos da sinfonia—, mas a sensação de aplaudir ao final foi um pouco estranha, não só pelo fato de a Sala não estar suficiente­mente cheia, mas porque pareceu que o aplauso havia se tornado mais um protocolo —só que desnecessá­rio.

Frequentam­os o mesmo espaço, mas não estamos juntos —o social não voltou. Por outro lado, as condições atuais favorecem a escuta introspect­iva. Não é o evento que vale o risco. É a música.

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Mariana Garcia/Divulgação
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Mariana Garcia/Divulgação Em disposição diferente da habitual, Osesp faz o primeiro concerto com público presente depois de uma paralisaçã­o de mais de 200 dias, na Sala São Paulo

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