Folha de S.Paulo

Juventude

- Fernando Haddad Professor universitá­rio, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e exprefeito de São Paulo. Escreve aos sábados

“Universida­de Federal do Rio de Janeiro! É do Rio de Janeiro ou é federal? Ou assume a atribuição ou devolve tudo, e normalment­e se empurra a conta para a União. A União são nossos filhos e netos. A União não é um ser abstrato.”

Suprimi algumas palavras da delirante reflexão de Paulo Guedes para torná-la menos desconexa. Na visão do ministro, o Rio de Janeiro é um ser mais abstrato do que a União. Investir a receita de impostos na educação de nossos filhos e netos é empurrarlh­es a conta. Guedes, no fundo, quer apenas se livrar das universida­des federais.

O historiado­r Eric Hobsbawn destacou o quanto os projetos nacionais europeus foram tributário­s do progresso educaciona­l de pessoas oriundas das classes menos favorecida­s, que passaram a ocupar posições até então reservadas a uma pequena elite. “O progresso das escolas e universida­des dava a dimensão do nacionalis­mo”, resumiu.

Inspirado nessa premissa, Benedict Anderson descreveu a última onda desse processo nas ex-colônias da Ásia que culminaram com a formação de Estados nacionais. De comum, o papel da educação da juventude. Suwardi, por exemplo, contava 24 anos quando publicou seu famoso artigo contra o domínio holandês sobre a Indonésia, em julho de 1913.

A universida­de pública brasileira é um pequeno milagre. Último país do continente a criar uma universida­de, o Brasil, mesmo com os recentes cortes orçamentár­ios, responde, ainda hoje, por 50% da produção científica da América Latina. Entretanto, só no século 21 as portas da universida­de se abriram para os “filhos e netos” do trabalhado­r, sob a liderança de um sem diploma. Hoje, felizmente, 70% dos estudantes das universida­des federais são egressos da escola pública; mais de 50% são negros.

Além disso, o fim do vestibular, com a reformulaç­ão do Enem, permitiu à juventude uma mobilidade inédita pelo território. Uma consciênci­a nova vai se formando. Em cada universida­de federal há estudantes de praticamen­te todos os estados, realidade que passa a milhas de distância da concepção de país de Paulo Guedes.

A inédita expansão do acesso à educação superior pode criar as condições subjetivas para que essa geração faça história. Nosso século 20, ao contrário do asiático, foi marcado pelo descaso com a educação. Causa e consequênc­ia disso, pelo menos em parte, o Estado nunca se emancipou dos particular­ismos da elite econômica.

Dois terços dos eleitores até 24 anos reprovam o projeto antinacion­al de Bolsonaro. É o segmento mais crítico ao governo. Virá deles a energia para construir o Brasil a partir dos escombros do bolsonaris­mo.

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Alexandra Moraes

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