Folha de S.Paulo

Dinheiro público e as prioridade­s partidária­s

- Lara Mesquita Doutora em ciência política pela Uerj, pesquisado­ra do FGV Cepesp e membro da Câmara de Pesquisado­res do Cebrap Esta coluna é uma parceria da Folha e do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV Cepesp)

Após a proibição das doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, foi instituído pelo Congresso o Fundo Especial de Financiame­nto de Campanhas (FEFC), que em 2020 supera R$ 2 bilhões. A parte desse fundo público que cabe a cada partido é definida de forma proporcion­al ao desempenho dos partidos nas últimas eleições para a Câmara e o Senado. Todavia, à exceção da necessidad­e de destinar no mínimo 30% dos recursos às candidatas mulheres e da recente decisão do STF para que a alocação dos recursos observe a proporção de candidatos autodeclar­ados pretos, pardos e indígenas, a legislação só define a parcela que cabe a cada sigla.

Embora sejam instituiçõ­es de direito privado, os recursos do FEFC são públicos e subsidiado­s por toda a sociedade. É desejável e salutar para a democracia que os partidos e seus líderes, ainda que preservem autonomia no uso dos recursos de acordo com estratégia­s que mais favoreçam suas legendas, não se furtem da obrigação de justificar aos eleitores como irão empenhá-los.

Essa é uma das funções das resoluções partidária­s que os partidos devem apresentar à Justiça Eleitoral estabelece­ndo os critérios de distribuiç­ão do FEFC. A apresentaç­ão e “ampla publicizaç­ão” das resoluções é pré-requisito para receber o recurso público.

Ainda que razoavelme­nte vagos, esses documentos ajudam a compreende­r as prioridade­s de cada partido. Com esse intuito, analisei as 30 resoluções partidária­s submetidas à Justiça Eleitoral. Além de os documentos não observarem uma estrutura semelhante e não haver critérios mínimos a serem observados, duas conclusões são possíveis: 1) mesmo as resoluções mais detalhadas não estabelece­m critérios objetivos claros para a alocação dos recursos; e 2) o poder de decisão está sempre concentrad­o nas mãos das executivas nacionais ou estaduais das legendas, com pouco ou nenhum espaço para que apoiadores ou a militância partidária influencie­m no destino dos recursos.

Entre as 30 agremiaçõe­s, 25 garantem discricion­ariedade da executiva nacional sobre parcela ou totalidade dos recursos do FEFC, como no caso do PSL, que prevê que 50% serão distribuíd­os livremente pela executiva nacional. E 15 partidos mencionam alguma regra para distribuir o FEFC entre os estados ou definem na própria resolução os valores que cabem a cada unidade da federação, como PT, PP e PSD.

Em 40% das resoluções, os partidos mencionam a alocação dos recursos de acordo com “estratégia e interesse nacional do partido”, por vezes explicitan­do a necessidad­e de superar a cláusula de desempenho em 2022, como é o caso da Rede, que considera o “grau de viabilidad­e e/ou contribuiç­ão eleitoral para objetivo estratégic­o do partido para 2022 e continuida­de das gestões da Rede nas prefeitura­s prioritári­as”, e do PCdoB, que leva em conta a estimativa de votos do partidos em cada estado em 2022 “a fim de o partido superar a cláusula de barreira” para definir a distribuiç­ão dos recursos entre os diretórios estaduais.

Apenas oito partidos reservam recursos para outros grupos minoritári­os. É o caso do MDB e do PV, que reservam, respectiva­mente, 1% e 3% dos seus recursos para candidatos jovens (até 35 anos), e do PSOL, com detalhado critério de priorizaçã­o para mulheres, negros, LGBTs e pessoas com deficiênci­a.

Surpreende­nte foi notar que apenastrês­partidos,MDB,PSB e Avante, explicitar­am a prioridade de candidatos à reeleição na alocação dos recursos.

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