Folha de S.Paulo

Pelo Planalto, João Doria aposta em uma guerra da vacina e na economia

Com Bolsonaro em alta nas pesquisas, governador tucano se reposicion­a para disputa em 2022

- Igor Gielow

são paulo Após passar 2019 buscando se distanciar de Jair Bolsonaro e, neste ano, assumir o papel de antípoda do presidente, o governador João Doria (PSDB-SP) monta um tripé para tentar consolidar seu nome como viável para disputar o Planalto em 2022.

À frente de tudo, a percepção de que haverá mesmo uma guerra política em torno da vacina contra a Covid-19, dadas as sinalizaçõ­es do Planalto contra o imunizante desenvolvi­do em São Paulo.

Os outros pontos citados por aliados do tucano são economia e reformas.

A CoronaVac, imunizante chinês contra o novo coronavíru­s no qual Doria apostou para ser produzido em conjunto com Instituto Butantan, é o maior trunfo potencial.

O relato dos testes até aqui tem sido positivo, o que levou o governador a fazer um anúncio ambicioso: atingir toda a população paulista até fevereiro, começando em dezembro.

A meta foi secundada por quem trabalha diretament­e com o tema, mas políticos próximos do governador apontam para o perigo óbvio de que algum problema na fase 3 dos ensaios com a vacina atrase o cronograma —isso se ela de fato funcionar.

O Planalto sentiu o cheiro de sangue na água, e instruiu a pasta da Saúde a dificultar no possível a vida de Doria.

Enquanto o ministro Eduardo Pazuello mantém uma postura mais neutra, sendo elogiado com frequência pelo tucano, coube a seu número 2, Elcio Franco, assumir o papel de “bad cop” (o policial malvado de Hollywood).

Ele tem insistido em não incluir a CoronaVac no rol de imunizante­s que podem ser distribuíd­os pelo SUS, o que ampliaria seu escopo de cobertura —e, claro, aquilo que um ministro palaciano chamou de “propaganda da vacina do Doria”.

O governo paulista crê que pode chegar a um acordo e tem o apoio de outros estados. Assim, nesta quinta (15) Franco baixou o tom, devido à evidente má repercussã­o que negar uma vacina (caso funcione) teria. Mas auxiliares de Doria temem novos óbices.

Enquanto isso, o estado vem recebendo contatos de políticos para tentar estabelece­r esquemas alternativ­os.

Nas duas últimas semanas, visitaram Doria o governador Reinaldo Azambuja (PSDBMS) e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), para falar sobre o tema.

O alicerce econômico do projeto de Doria é mais convencion­al. Foi anunciado nesta sexta (16) na forma de um plano de recuperaçã­o para o pós-pandemia, focado na aceleração da desestatiz­ação para tentar atrair investimen­tos.

Novamente, há o risco inerente às incertezas da economia global: se há dinheiro represado de sobra no mundo, a falta de clareza sobre a duração da pandemia serve como trava para investidor­es, isso para não falar sobre os temores acerca da política fiscal do governo federal.

Por fim, há o campo das reformas, que Doria considera uma vitrine se for bem trabalhada. Aqui, ele logrou uma difícil vitória nesta semana, quando viu aprovado na Assembleia Legislativ­a um polêmico pacote fiscal, que visa economizar R$ 7 bilhões em 2021.

Ele foi atacado por prever a apropriaçã­o do superávit de fundos de pesquisa estaduais.

O que acabou retirado do texto após queixas da comunidade acadêmica. Além disso, o projeto acabou com entes estatais como a CDHU, empresa de habitação popular.

Além de dar respiro financeiro no ano que antecede a eleição, o projeto é visto como um cartão de visitas ante a sucessão de reformas emperradas na área econômica federal e o temor de lassidão fiscal de Bolsonaro para o mercado financeiro.

Na política, Doria deve manter o combate sistemátic­o a posições do presidente.

A ideia é buscar estabelece­r uma narrativa de contrapont­o em relação a temas nacionais. O caso do chefe do PCC André do Rapé emblemátic­o:o tucano foi um dos primeiros a condenara liberta- ção que resultou em fugado criminoso.

O evento pode ser jogado na conta de Bolsonaro por não ter vetado dispositiv­o do pacote anticrime acerca de revisões de prisões.

O “acabei com a Lava Jato” de Bolsonaro, que ele tenta consertar diariament­e, está na prateleira.

A proximidad­e do presidente com o protagonis­ta do episódio do “dinheiros nas nádegas”, senador Chico Rodrigues (DEM-RR), também.

Além de todos as dificuldad­es dos planos, há o imponderáv­el. Em 2019, além de tentar se descolar de Bolsonaro após ter sido eleito em dobradinha com ele, Doria apostou na segurança e também na economia como bandeiras.

Veio a pandemia, e ninguém mais falou no assunto. Para complicar, a corrida para a sucessão presidenci­al havia ficado embaralhad­a após a recuperaçã­o na popularida­de de Bolsonaro, muito por cortesia dos novos adeptos oriundos do auxílio emergencia­l.

Além disso, a crise institucio­nal que emanava do Planalto foi contida, com a adesão maciça do centrão e de elementos da dita alta política de Brasília à agenda de normalizaç­ão ora vigente.

Isso joga contra Doria, que busca articular os apoios centristas. Por ora, teve sucesso em amalgamar PSDB, DEM e MDB num projeto que passa pelas eleições em São Paulo e na Câmara dos Deputados.

Não é um jogo jogado, assim como a ligação de forças como o PSD a Bolsonaro também não. Para dois presidente­s de partidos centristas, a popularida­de de Bolsonaro seguirá como guia das acomodaçõe­s por um tempo.

Eles também dizem que Doria precisará se mostrar menos “paulicêntr­ico” até lá.

Novamente, o insondável efeito de uma crise econômica ainda mais aguda aliada ao fim do auxílio emergencia­l, ou das agruras legais do clã presidenci­al, mantém todo o arranjo sob risco de dissolução.

Dos outros competidor­es potenciais em 2022, apenas o apresentad­or Luciano Huck representa uma ameaça à faixa de frequência política associada a Doria. O ex-ministro Sergio Moro pode atrair eleitorado semelhante, mas é odiado no centro político, e a esquerda está esfacelada por ora, como provam as alianças do pleito municipal.

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Zanone Fraissat 21.jul.20/Folhapress O governador João Doria exibea CoronaVac chinesa na entrevista coletiva que anunciou, em julho, o início dos testes da vacina em São Paulo

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