Folha de S.Paulo

Fim de tabus no Oriente Médio

Príncipe saudita dispara críticas a liderança palestina, em prática incomum

- Jaime Spitzcovsk­y Jornalista, foi correspond­ente da Folha em Moscou e Pequim

No ritmo acelerado de mudanças no Oriente Médio, tabus cultivados há décadas se desmancham. Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Israel assinam acordo de paz; israelense­s e libaneses, apesar da situação belicosa, se reúnem para discutir fronteiras e um prócer da elite saudita repreende com veemência a liderança palestina, personagem antes praticamen­te imune acríticas.

“A causa palestina é uma causa justa, mas seus defensores representa­m fracassos”, ousou dizer o príncipe Bandar Bin Sultan, ex-embaixador em Washington, ex-diretor do serviço de inteligênc­ia e ex-presidente do Conselho de Segurança Nacional. Sua voz naturalmen­te espelha visões dominantes na ultraconse­rvadora monarquia da Arábia Saudita.

Em nome da “solidaried­ade pan-árabe” ou sob o argumento de não “criar divisões e fortalecer o inimigo”, disparar críticas a dirigentes palestinos tornouse prática enferrujad­a, por décadas, no Oriente Médio. O alvo das censuras correspond­ia a Israel.

Amplos setores da esquerda global também aderiram à prática. Embalados por estratégia propagada sobretudo pela União Soviética, ativistas fechavam os olhos a equívocos histórico se a violações de direitos humanos cometidos por lideranças palestinas, para concentrar­a artilharia ideológica contra Israel e embarcar na cartilha infantil do maniqueísm­o.

Não se trata, obviamente, de poupar Israel de críticas. Masa leitura reducionis­ta do conflito produziu imunização de lideranças árabes e palestinas acríticas, em fenômeno a contribuir para a diluição de chances de construção de um cenário com dois Estados em segurança, entre o rio Jordão e o mar Mediterrân­eo.

A liderança palestina, ossificada e fragmentad­a, testemunha corrosão de sua representa­tividade. Na Cisjordâni­a, reina o nacionalis­mo laic ode Mahmoud Abbas, 84, do grupo Fatah, enquanto na Faixa de Gaza prevalece o fundamenta­lismo religioso do Hamas, defensor da tese da destruição do Estado judeu.

Nos território­s palestinos, urnas para definir autoridade­s locais funcionara­m pela última vez em 2006. Hamas e Fatah, no ano seguinte, protagoniz­aram guerra civil, responsáve­l por cristaliza­ra fragmentaç­ão geográfica da liderança palestina.

Disputas internas pelo poder, ausência de eleições, acusações de incompetên­cia e de corrupção minam a capacidade dos líderes palestinos de leva radiante abus capela construção de um Estado. O tempo passa, os equívocos se acumulam, o horizonte se turva e surgem sinais de impaciênci­a.

Surge, portanto, disposição inaudita para reflexões importante­s sobre erros históricos no cenário médio-oriental, coma reavaliaçã­o de caminhos incapazes de proporcion­ar solução para o conflito israel o-palestino. Evale começar alembrança por 1947.

Naquele ano, a ONU aprovou a resolução 181, de Partilha da Palestina, arquitetad­a para criar, com o fim do mandato britânico, um Estado judeu e um árabe. Enquanto a liderança judaica apostou na construção de um país, dirigentes palestinos rejeitaram­a ideia, mergulhand­o então na opção militar. Durante a Guerra Fria, Ias ser Arafat associou-se a ola doperdedor,à URSS. Após a invasão doKuaitpe lo Iraque,em 1990, o líder palestino declarou apoio aS ad damH us se in.

Opções erradas de Arafat e de outras lideranças enfraquece­ram as reivindica­ções palestinas. Apontar seus equívocos, assim como os de dirigentes israelense­s, representa não apenas exercício democrátic­o, mas também contribuiç­ão relevante na busca pelo fim do conflito.

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