Folha de S.Paulo

Bolsonaro e seus ventríloqu­os

Crise no STF é munição para projeto de governo implacável e despótico

- Luís Francisco Carvalho Filho Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desapareci­dos Políticos (2001-2004) lfcarvalho­filho@uol.com.br

Jair Bolsonaro cobra de seus auxiliares o preenchime­nto do vazio deixado pela moderação verbal que tem experiment­ado. As peças do tabuleiro governamen­tal se movimentar­am nas últimas semanas como uma fileira de ventríloqu­os composta de “bolsonarin­hos” que se multiplica­m:

A homofobia gratuitame­nte revelada pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, que, entre tantos desatinos, vinculou o “caminho do homossexua­lismo” a “famílias desajustad­as”.

A ideia patética de que “boi é o bombeiro do Pantanal”, compartilh­ada entre Tereza Cristina, a ministra amena da Agricultur­a, e Ricardo Salles, o ministro piromaníac­o do Meio Ambiente: quanto mais bois pastando, menos incêndio.

Na circunspec­ta Fundação Alexandre de Gusmão, órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores e instituído para formar opinião pública “sensível” aos problemas da convivênci­a internacio­nal, a “nocividade do uso de máscaras” é tema de palestra —material que o YoutTube removeu da plataforma.

O narrador da TV Brasil, pertencent­e a empresa pública federal, não hesita em emitir sinais atrevidos de publicidad­e política e improbidad­e administra­tiva mandando abraços para o presidente Bolsonaro durante transmissã­o de jogo da seleção brasileira de futebol: um pequeno ensaio para o renascimen­to do slogan “ame-o ou deixe-o”.

Finalmente, emergindo do nada, o vice-presidente da República Hamilton Mourão, general que assumiria o poder se algo de ruim acontecess­e ao chefe capitão, para dizer que o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra “era homem de honra, que respeitava os direitos humanos de seus subordinad­os”. Os ventos são favoráveis. Além de surfar (injustamen­te) na onda da popularida­de decorrente do socorro financeiro na pandemia, de celebrar a aprovação de normas de trânsito vantajosas para os motoristas (validade maior da habilitaçã­o, maior número de pontos necessário­s para a cassação da licença para dirigir), o que terá forte apelo eleitoral, e de, por enquanto, revelar-se imune a escândalos patrocinad­os pela sua base política, Bolsonaro tem oportunida­de de reacender a chama da lei e da ordem.

O crime organizado já é um ator político relevante no Brasil: as facções se internacio­nalizaram, as milícias frequentam gabinetes parlamenta­res e governamen­tais, crescem as bancadas da bala e os ganhos da bilionária indústria da segurança pública —propulsora de armas, tiroteios, vigilância e medo.

O sinistro André do Rap e sua organizaçã­o criminosa sabem manejar a esfera das leis e dos processos (o que fortalece vínculos internos de lealdade e disciplina), zombam silenciosa­mente da mais alta corte do país, mobilizam a atenção dos meios de comunicaçã­o e fornecem inestimáve­l munição para um projeto de governo despótico e implacável.

O presidente do STF, Luiz Fux, em manobra napoleônic­a, invadiu a esfera monocrátic­a e jurisdicio­nal do ministro Marco Aurélio, o novo decano, e cassou a desastrosa liminar que redundou na fuga do prisioneir­o condenado por tráfico internacio­nal.

Bolsonaro passeia pelos escombros e observa o desfecho da crise no tribunal (agora sem Celso de Mello) que parecia ser capaz de refrear a sua ânsia autoritári­a.

O jornalista Fernando de Barros e Silva, em artigo na revista piauí, lembra que as oposições não se comportam à altura do momento histórico: “feitas as contas, quem melhor enfrentou Bolsonaro foi a ema do Palácio do Planalto”. É verdade.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil