Folha de S.Paulo

Estátua de Medusa pelada e sexy é abraçada e atacada pelo MeToo em NY

- Julia Jacobs Tradução de Paulo Migliacci

the new york times Quando o artista Luciano Garbati fez sua escultura de Medusa segurando a cabeça decepada de Perseu —uma inversão do antigo mito—, não era o feminismo que ele tinha em mente.

E Garbati tampouco estava pensando sobre o MeToo. Ele criou a peça em 2008, quase uma década antes que o movimento ganhasse divulgação.

Garbati, um artista argentino com raízes italianas, foi inspirado por uma escultura do século 16, “Perseu com a Cabeça de Medusa”, de Benvenuto Cellini. Naquele trabalho, Perseu, nu, segura a cabeça de Medusa por sua cabeleira de cobras. Garbati concebeu uma escultura que invertesse aquela narrativa, imaginando a história da perspectiv­a de Medusa e revelando a mulher por trás do monstro.

Agora, a escultura de Garbati —“Medusa com a Cabeça de Perseu”— passou a ser reimaginad­a como um símbolo de triunfo para as vítimas de agressões sexuais, ao ser desvelada na parte sul de Manhattan, na calçada oposta ao tribunal criminal da rua Centre.

Um boletim de imprensa anunciava a estátua como “um ícone de justiça”, apontando que a imensa Medusa, com mais de dois metros de altura, estava posicionad­a diante do edifício em que homens acusados de agressões sexuais durante o movimento MeToo foram a julgamento, entre os quais Harvey Weinstein. (A ideia de instalar a estátua no lugar veio antes do julgamento, mas o sentimento permanece.)

Posicionad­a no centro do parque Collect Pond, Medusa segura uma espada na mão esquerda e a cabeça de Perseu na direita —a cabeça decepada foi baseada na do escultor.

Em sua inscrição no programa “Art in the Parks”, que revisa propostas para obras de arte em instalaçõe­s públicas, Garbati apontou para o fato de que Medusa foi estuprada por Poseidon no templo de Atena, de acordo com o mito. Como punição, Atena volta seu rancor contra MeduOutros sa e transforma seus cabelos em serpentes. A inscrição afirmava que a história “comunicou às mulheres por milênios que, caso fossem estupradas, a culpa seria delas”.

Quando a estátua foi desvelada no parque, onde permanecer­á até o final de abril do ano que vem, Garbati falou sobre as muitas mulheres que tinham falado com ele sobre a escultura. Muitas viam a imagem como catártica, segundo ele.

Mas, para algumas pessoas que comentaram o assunto nas redes sociais, a escultura não é apropriada para o momento. Quando a notícia sobre a instalação da escultura no parque começou a circular, ativistas e observador­es contestara­m que uma obra de arte que supostamen­te celebrava o movimento MeToo —movido em grande parte por mulheres e pela revelação de histórias pessoais— tivesse sido criada por um homem.

imaginaram por que, se a escultura pretendia falar de violência sexual, Medusa carregava a cabeça de Perseu e não a de Poseidon, aquele que a estuprou. E houve quem questionas­se o fato de que Medusa foi retratada como uma figura esbelta, um nu clássico, quando ela é descrita como um monstro.

Garbati disse em entrevista que, a esta altura, a escultura havia se tornado em alguma medida independen­te dele, adquirido vida própria criada pelas observaçõe­s e interpreta­ções alheias.

“Eu diria que estou honrado pelo fato de que a escultura tenha sido escolhida como símbolo”, disse ele. O escultor afirmou que o projeto todo o havia ajudado a perceber que ele mesmo era “produto de uma sociedade patriarcal”.

Com relação à precisão mitológica, Garbati disse que sua obra era uma resposta direta à escultura de Cellini. Já sobre a figura sensual da Medusa, Garbati sugere que os críticos considerem uma exposição recente no Metropolit­an Museum of Art, em Nova York, que relata como as expressões artísticas da Medusa avançaram do bestial ao belo, a partir do século 5º a.C.

Bek Andersen, fotógrafa que trabalhou com Garbati para instalar a escultura, não se incomoda com o gênero do artista. “Para mim, é empolgante que o artista seja homem”, diz. “Acho que os homens se sentem excluídos do diálogo sobre o MeToo, e acho que eles têm medo do que esse diálogo significa para eles”.

Em 2018, uma década depois da criação da escultura original em resina, imagens do trabalho de Garbati começaram a circular online. Elas se tornaram memes depois que ele postou fotos da escultura no Facebook e foram usadas como um símbolo da ira feminina quando o movimento MeToo dominava as notícias.

“Desestabil­izar a narrativa usualmente feita sob uma lente patriarcal é o verdadeiro poder da obra”, afirmou ele. “Isso faz com que as pessoas parem para pensar.”

“Desestabil­izar a narrativa usualmente feita sob uma lente patriarcal é o verdadeiro poder da obra. Isso faz com que as pessoas parem para pensar Luciano Garbati, artista plástico argentino que criou a escultura em 2008, antes de o movimento MeToo ganhar força

 ?? Fotos Jeenah Moon/The New York Times ?? Estátua de Garbati retrata uma Medusa curvilínea segurando a cabeça degolada de Perseu
Fotos Jeenah Moon/The New York Times Estátua de Garbati retrata uma Medusa curvilínea segurando a cabeça degolada de Perseu
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil