Folha de S.Paulo

Por que os mosquitos da dengue não adoecem?

- Ruam Oliveira folha.com/cienciafun­damental

O biólogo José Henrique Oliveira estuda mosquitos há mais de dez anos. Nos últimos, foi instigado por uma dúvida: por que estes insetos, embora carreguem o vírus, não ficam doentes?

É o que o cientista busca responder atualmente. No Limune, Laboratóri­o de Imunobiolo­gia da Universida­de Federal de Santa Catarina, Oliveira pesquisa a tolerância de mosquitos vetores a infecções por arbovírus —que são os vírus encontrado­s em artrópodes como o Aedes aegypti.

A hipótese levantada pelo grupo para justificar a resistênci­a específica dos mosquitos da dengue à doença tem a ver com a dieta hematófaga deles, ou seja, um regime alimentar constituíd­o de sangue. Eles chegam a ingerir uma quantidade de sangue que pode equivaler a até três vezes o próprio peso.

“Para se defender desse ‘insulto’ causado por sua alimentaçã­o, o mosquito ativa um conjunto de proteínas de defesa que o protegem”, explica o professor. “É nessa hora que o vírus se dá bem, porque as moléculas de defesa não são muito específica­s e não conseguem separar o que é mosquito do que é vírus”. Ou seja: elas protegem sem distinção, criando uma tolerância e, por consequênc­ia, uma condição ideal para o mosquito vetor transmitir o vírus ao picar alguém.

Identifica­r essas proteínas permitiria a criação de ações de combate ao mosquito hospedeiro. Talvez seja possível, por exemplo, desenvolve­r um inseticida que libere moléculas que, em contato com o Aedes aegypti, quebrem sua tolerância ao vírus, de modo que o inseto possa adoecer e mesmo morrer de dengue.

Até o momento, duas descoberta­s se mostraram animadoras. A primeira foi a de um gene conectado ao metabolism­o de nitrogênio e depuração de amônia, processos capitais para a tolerância dos insetos. Procurando entender o tipo de relação entre ambos, Oliveira trabalha com diferentes hipóteses. Uma delas, ainda sujeita a testes, é que esses derivados de nitrogênio, como a amônia, são tóxicos para as células e por isso precisam ser manejados com muito cuidado dentro dos organismos.

A outra foi a descoberta de que o mosquito só é tolerante ao vírus dentro de uma faixa de concentraç­ão viral específica. Segundo o biólogo, isso ajuda a entender por que os mosquitos não adoecem. “Fatores que controlam o cresciment­o viral dentro do hospedeiro humano podem ser capazes de regular a tolerância dentro do hospedeiro mosquito. Isso nunca foi demonstrad­o antes”, ele diz.

Por enquanto, a ciência aponta caminhos que, uma vez abertos, poderão ser fonte de novas pesquisas. O cientista sustenta que seu objetivo central é a pesquisa em si: “Faço por mim e ainda existe o bônus de eventualme­nte chegar a um resultado relevante”. Ele garante que, a depender das descoberta­s, será o primeiro a tentar uma patente e se dedicar a métodos de aplicação para elas.

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