Folha de S.Paulo

Faltam costureira­s em polo têxtil de Pernambuco

Baixa remuneraçã­o e condições de trabalho precárias em confecções do agreste afastam profission­ais; empresário­s culpam o auxílio

- Thais Carrança

Polo têxtil do agreste pernambuca­no enfrenta falta sem precedente­s de mão de obra em meio à retomada após o afrouxamen­to da quarentena e diante da demanda aquecida. Baixa remuneraçã­o e condição de trabalho precárias em confecções afastam profission­ais.

“Era trabalhar de domingo adomingo, dia enoite, sem parar um segundo para d arcontadas peças. Eu pegava 4h 30, 5hd amanhã eia até meia-noite, 1h da manhã. Cheguei afazer peça por R $1, um bermudão feminino por R$ 1,20, uma calça por R$ 2,20. Consegui atira rR $600, R $700 por mês, não cobria toda a despesa, sempre ficava devendo um pedaço do aluguel.”

O relato é de Francismei­re Silva Melo ,42, mãe de três filhos e moradora de Caruaru, um dos dez municípios que fazem parte do polo de confecções do agreste de Pernambuco.

Costureira há mais de 20 anos, Francismei­re é uma das profission­ais da região que deixaram a função como atividade principal para abrir um negócio por conta própria.

Desde 2017, ela produz sabonetes artesanais e aromatizad­ores de ambiente. A renda épouca.C omo auxílio emergencia­l reduzido aR $300, está ganhando R $700 por mês.

“M aspar amim, avida agora é melhor, não me mato tanto como na máquina, tenho meu horário de sono e de almoçar co maminha família, que antes eu não tinha”, afirma.

“Quem trabalha com costura em casa não tem hora de lazer, de parar. É uma exploração e não valorizam o trabalho da gente. Por mais que agente trabalhe dia enoite, o que pagam é muito baixo.”

Casos como oda empreended­oras e multiplica­m na região. E a situação é tal que o polo têxtil do agreste enfrenta falta sem precedente­s de mão de obra, segundo empresário­s locais, em meio à retomada da produção após o afrouxamen­to da quarentena e diante da demanda aquecida —efeito do auxílio emergencia­l sobre a rendadas classe sC e D, público-alvo da produção local.

Empresário­s não conseguem preencher vagas , apesar de a taxa de desemprego ter chega doa 13,8% no país em julho, recorde na série do IBGE. Em Pernambuco, estava em 15% em junho (último dado estadual), acima da nacional.

A pesquisa Pnad Covid trouxe na sexta (16) desemprego de 17,5% no Nordeste na última semana de setembro. O dado, porém, não é comparável com a Pnad Contínua, que mede a taxa oficial do país.

“Parte delas está recebendo o auxílio emergencia­l e diz que não quer trabalhar, parte ainda tem receio do vírus e muitas, com a pandemia, começaram a trabalhar em casa e não querem mais voltar”, diz Arnaldo Xavier, presidente da Rota do Mar, confecção de moda casual e moda praia com cinco fábricas e sede em Santa Cruz do Capibaribe.

“Pedem demissão da empresa de maior porte, pegam os recursos do acerto e passam a trabalhar por conta própria”.

Segundo o empresário, que diz precisar de 45 a 60 costureira­s e não encontra no mercado, a falta de mão de obra é sazonal, mas o quadro está muito pior neste ano.

Os empresário­s locais costumam ter dificuldad­e para contratar nos meses de maio e junho, quando parte dos trabalhado­res se ocupa com tarefas ligadas às festas juninas, que têm grande peso na economia do Nordeste. Também costuma faltar profission­ais em novembro e dezembro, com as festas de fim de ano.

“A demanda é tanta que abrimos uma escola na fábrica para ensinar o trabalhado­r sem qualificaç­ão. Normalment­e, ativamos essa escola nesses períodos de escassez, mas agora está com uma intensidad­e fora da normalidad­e. Começamos em agosto, o que nunca tinha ocorrido antes.”

Com a demanda aquecida pelo auxílio emergencia­l, o empresário diz que agosto foi o melhor mês em faturament­o nos 24 anos da empresa. “Tudo que estamos fazendo, estamos vendendo, num período em que isso não é costumeiro. Em geral, nessa época, começamos a estocar para novembro e dezembro, mas esse ano não estamos conseguind­o.”

O empresário enfrenta também escassez de matérias primas, como tecidos de algodão e embalagens, em falta em todo o país. “A preocupaçã­o é como vamos atender o cliente no final de ano e janeiro, mês forte de moda praia. Vamos faturar 30% a menos do que poderíamos pela falta de mão de obra e matéria prima.”

Empresas como a Rota do Mar, com cerca de 500 funcionári­os, são minoria no polo do Agreste, o segundo maior do país, atrás só de São Paulo.

Dos mais de 18 mil empreendim­entos do setor têxtil na região, menos de 4% empregam mais de 14 pessoas, segundo levantamen­to do Sebrae.

A maioria (88%) emprega até quatro pessoas eécompost ade oficinas familiares informais, que prestam serviços a outras empresas, sendo remunerada­s por peça. São as chamadas facções.

Bruno Bezerra, presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de Santa Cruz do Capibaribe, diz que a falta de mão de obra afeta todos os modelos de negócios.

Cristina Filizzola, coordenado­ra do programa Tecendo Sonhos, da ONG Aliança Empreended­ora, que desenvolve trabalho de estímulo ao empreended­orismo com mulheres da região, discorda da avaliação de Xavier de que parte da falta de mão de obra se deve ao auxílio emergencia­l.

“O auxílio tem valor muito baixo, não vejo nenhuma oficina ou empreended­or que está recebendo o benefício optando por não trabalhar”, diz.

“Oque aconteceéq­u emu itas oficinas quebraram na pandemia. Então as marca sacharem que vão aperta rum botão e as coisas vão voltara funcionar, nãoéa realidade .”

A Aliança Empreended­ora fez em dezembro um Diagnóstic­o do Polo Têxtil do Agreste Pernambuca­no. Oestud omostraque, na região ,30% da população vive em situação de pobreza ou extrema pobreza, eque a informalid­ade varia de 23,9% em Caruaru, 39,8% em Santa Cruz do Capibaribe, até 57,3% em Toritama,os principais produtores do polo.

Segundo o levantamen­to, 70% das costureira­s autônomas ganham até um salário mínimo por mês e 38% recebem apenas um quarto desse valor, em jornadas exaustivas de 10 a 15 horas por dia.

“Cada pequeno negócio é muito setorizado. Isso faz com que a cadeia tenha muitos intermediá­rios e os preços sejam diminuídos”, diz Filizzola.

“Quem trabalha em confecções recebe um valor muito baixo, por isso precisam trabalhar muitas horas para conseguir ter algum retorno financeiro. Por conta disso, muitas têm preferido trabalhar por conta própria.”

 ?? Divulgação/Rota do Mar ?? Área de produção em fábrica do polo têxtil do agreste de Pernambuco
Divulgação/Rota do Mar Área de produção em fábrica do polo têxtil do agreste de Pernambuco

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil