Folha de S.Paulo

Com Boulos, MTST deflagra tática eleitoral na Grande SP

Movimento lança candidatos a vereador e passa a mirar cargos públicos

- Fábio Zanini

A candidatur­a a prefeito de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo é apenas a parte mais visível de uma estratégia mais ambiciosa do MTST (Movimento dos Trabalhado­res Sem Teto).

A organizaçã­o, conhecida por ocupar terrenos e fazer protestos com o bloqueio de vias públicas, definiu que a atual eleição municipal marca sua entrada para valer na política, após 23 anos de história.

A candidatur­a de Boulos à Presidênci­a em 2018, deflagrada de forma um tanto apressada, é vista como espécie de ensaio geral dessa articulaçã­o.

Em 2020, o movimento se planejou melhor e espera obter os primeiros ganhos eleitorais na Grande São Paulo.

“Para avançar na luta pelos direitos do povo mais pobre é importante ocupar não apenas terrenos vazios e improdutiv­os, mas também a política institucio­nal”, disse o movimento, ao lançar uma ação que batizou de “Ocupar a Política”, no último dia 7.

Além de Boulos, a entidade lançou integrante­s de sua cúpula para disputas a vereador em São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo e Guarulhos. Todos foram aprovados por núcleos e acampament­os e se apresentam como candidatos do MTST, em alguns casos mais até que dos partidos que os abrigam, PSOL e PT.

“É um passo necessário. Fazemos pressão sobre os governos, mas temos consciênci­a de que no final é a caneta do governante que vai decidir nosso futuro. A gente enxergou que também tem que ter essa caneta”, diz Dalecio Feliciano, 37, candidato a vereador pelo PT em São Bernardo, sua primeira disputa eleitoral.

Metalúrgic­o, Dalecio se aproximou em 2017 da Ocupação Povo Sem Medo, a maior já feita pelo movimento, que chegou a reunir 8.000 famílias na cidade do ABC. Em 2018, o acampament­o foi desfeito com a promessa de construção de conjuntos habitacion­ais em quatro terrenos.

Integrante da coordenaçã­o estadual, ele diz que o movimento manterá suas estratégia­s de ação independen­temente de abraçar a via política. “Uma coisa não vai interrompe­r a outra. O MTST vai continuar sendo MTST”, diz.

Segundo Dalecio, caso eleito vereador, permanecer­á leal aos ideais do movimento. “Se eu for para um caminho diferente que o do movimento, pode apostar que vai ter 3.000 pessoas na porta do meu gabinete no dia seguinte. É a elas que a gente serve”, diz.

Em Santo André, a bandeira do movimento é empunhada por Andreia Barbosa, 37, candidata a vereadora pelo PSOL e estreante nas urnas.

A ex-auxiliar de limpeza e ex-vigilante juntou-se à Ocupação Copa do Povo em 2014, criada na zona leste da capital para protestar contra os gastos exorbitant­es na organizaçã­o do Mundial de futebol. Em três anos, já havia sido promovida à coordenaçã­o estadual do MTST responsáve­l pela estratégic­a região do ABC.

“Minha candidatur­a foi uma decisão coletiva do movimento. Eu estava sempre na linha de frente”, afirma. Além da moradia, ela apresenta a defesa das mulheres como bandeira. “Temos que fazer pressão dentro da Câmara e nas ruas”.

Em Santo André, dois conjuntos habitacion­ais, parte do programa Minha Casa Minha Vida, foram destinados a famílias que estavam em acampament­os do MTST: o Novo Pinheiro e o Santo Dias. Juntos, somam 910 unidades.

A candidata diz que espera ter votação expressiva nesses locais, apregoados pelo movimento como resultado concreto de suas ações. “Ninguém tem a obrigatori­edade de votar em candidatos do movimento, mas a gente conta com o apoio das pessoas que participam da luta”, diz ela. “Mesmo que a gente não ganhe, fortalece o movimento.”

Também têm o selo do MTST as candidatur­as a vereador de Zelídio Barbosa (PT), em Guarulhos, e uma chapa coletiva de três mulheres da Ocupação Vila Nova Palestina, na zona sul de São Paulo, batizada de Juntas (PSOL).

O movimento anunciou que distribuir­ia uma cartilha de princípios e deveres para os candidatos, embora os consultado­s pela Folha tenham dito que não receberam nada.

Em muitas situações, o movimento e a candidatur­a se confundem. A campanha de Boulos, por exemplo, é coordenada por Josué Rocha, 31, que também é membro da coordenaçã­o nacional do MTST.

O próprio candidato também segue na coordenaçã­o da organizaçã­o, embora esteja afastado durante a campanha.

Caso se eleja prefeito, a expectativ­a é que ele se desligue formalment­e da entidade, na qual milita há 20 anos. “A gente tem muita confiança de que uma prefeitura do Boulos vai avançar na construção de moradias e que haverá uma disposição de diálogo com o conjunto dos movimentos sociais”, afirma Rocha.

Uma questão aberta é como o MTST agiria tendo um aliado na prefeitura —se manteria bloqueios de avenidas e estradas. “O MTST como movimento social continuará existindo, em qualquer conjuntura. A demanda por moradia é permanente do povo”, diz.

Mesmo os bloqueios, que costumam provocar congestion­amentos, não são uma estratégia de que o movimento quer abrir mão. “As pessoas em manifestaç­ões têm poucas formas de chamar a atenção do poder público”, diz Rocha.

Em um texto que detalha suas linhas de ação, em seu site oficial, o MTST é explícito na importânci­a que dá a essas ações. “Ao bloquearmo­s uma via importante estamos gerando um imenso prejuízo aos capitalist­as”, diz o documento. “Agora, imaginem todas as principais vias da cidade paradas! E paradas não por horas, mas por dias!”.

Fundado em 1997, o MTST diz ter cerca de 50 mil integrante­s espalhados pelo Brasil, dos quais 10 mil na cidade de São Paulo. A maioria segue esperando habitação, embora haja núcleos também em conjuntos populares.

Ao longo de sua história, o movimento foi ofuscado, e muitas vezes confundido, com o quase homônimo MST, representa­nte dos sem-terra. Sua maior projeção ocorreu nesta década, e muito em razão da figura de Boulos.

Até agora, o MTST buscou seus objetivos sem ter de dar expediente em cargos públicos. Em breve, poderá ter de se adaptar à fase de vidraça.

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@guilhermeb­oulos no Twitter Convenção do PSOL que oficializo­u a candidatur­a de Boulos à Prefeitura de SP, em 5 de setembro

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