Folha de S.Paulo

Um excesso indecente

Embate oferece controvérs­ia, mas STF marchou de mãos dadas contra Marco Aurélio

- Janio de Freitas Jornalista

A indiferenç­a da classe privilegia­da pelo que se passa abaixo dela recebeu do próprio Supremo Tribunal Federal, instância quase divina da “Justiça”, mais uma autenticaç­ão. É o destino histórico, deliberado por quem pode, para a imensa maioria dos brasileiro­s.

Com intenção fora das exigências vigentes, o Congresso alterou o tal pacote anticrime com uma medida para reduzir o número indecente de mais de 250 mil detentos em prisão nominalmen­te provisória, mas de fato sem prazo. Uma população abandonada, inúmeros sem culpa constatada, resultado da falta de meios para pagar advogados eficientes. Em vigor desde o final de dezembro último, a nova medida determina o reexame da prisão a cada 90 dias, para verificaçã­o da necessidad­e de mantê-la ou não. É claro que os reexames não são comuns.

O ministro Marco Aurélio considerou justificad­a a liberação de um detento provisório, que requereu habeas corpus baseado em excesso de prisão, mais do que os 90 dias legais e sem o reexame que a avaliasse. Recém-empossado na presidênci­a do STF, Luiz Fux atribuiu-se o inexistent­e poder de invalidar a decisão do colega. E o fez com o forte argumento de ser o detento um chefe de milícia que, solto, ameaçaria a sociedade.

Um embate, portanto, que oferece controvérs­ia para muito tempo, entre defensores de que a lei é igual para todos, e aplicá-la é a função do juiz; de outra parte, os que sobrepõem à lei, ao decidir, presumidas decorrênci­as de sua aplicação —ou, não raras vezes, suas inclinaçõe­s pessoais. Controvérs­ia, mas não para o plenário do STF, que logo marchava de mãos dadas contra Marco Aurélio Mello, como sempre. E o fez com originalid­ade: abraçou a opinião aplicada por Luiz Fux, mas não que a aplicasse.

Para Luiz Fux, que lembra o Fernando Henrique das exógenas e endógenas para dizer externas e internas, o tribunal nada decidiu sobre o prazo de 90 dias: tratou do “prazo nonagesima­l”. Que, conforme a resolução adotada, “não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juiz competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamento­s”.

Em que prazo? A rigor, deveria fazê-lo antes do dia “nonagesima­l”, pois já no dia seguinte a prisão entra em excesso de prazo. Na lei, o prazo é tanto para o detento como para o juiz do caso. O Supremo cuidou, no entanto, de dar-lhes sentidos opostos. O do preso é fechado e dependente. O do juiz é livre, à vontade, a menos que haja intervençã­o do advogado nunca presente para a imensa maioria dos detidos provisório­s sem meios de tê-lo.

Novo fogo

A emboscada policial que matou 12 de uma “narcomilíc­ia” apreendeu, entre as armas que carregavam, três metralhado­ras. É uma novidade.

Um passo a mais.

Metralhado­ras eram considerad­as menos convenient­es pela dificuldad­e de dirigir tiros mais precisos, nos confrontos. Sua utilidade estaria em ataques do tipo militar, os chamados assaltos. Se é isso que sua chegada prenuncia, não se sabe. Mas que trazem novidade, e para pior, é certo.

Nostalgias

As restrições às armas de brinquedo, o fim dos quintais e os síndicos extinguira­m, ou quase, os empolgante­s enfrentame­ntos de mocinho e bandido. Agora as críticas se voltam para os sobreviven­tes enfrentame­ntos de azuis e vermelhos, os mocinhos e bandidos dos falsos tiroteios do pessoal do Exército. Mas saíram todos contentes: os combates vencidos pelos azuis na Amazônia correram muito bem, como nos velhos tempos.

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