Folha de S.Paulo

Indústria sofre com escassez e aumento de preços de insumos

Estoques baixos, câmbio e alta das commoditie­s impactam prazos e custos

- José Jorge do Nascimento Junior presidente da Eletros (Associação Nacional dos Fabricante­s de Produtos Eletroelet­rônicos) Nicola Pamplona e Thais Carrança

Em sondagem feita pelo setor, fabricante­s de máquinas e equipament­os alertaram para o risco de paralisaçã­o de algumas linhas de produção por dificuldad­es para obter aço.

O problema também aflige os fabricante­s de eletrodomé­sticos, que alertam para possíveis riscos em 2021.

Os dois segmentos ilustram a pressão que a ruptura nas cadeias produtivas e a escalada do dólar exercem sobre a retomada da indústria após os piores momentos da pandemia. Para executivos e especialis­tas, o cenário torna ainda mais nebuloso o ritmo de recuperaçã­o futura.

Estudo interno feito pela Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), ao qual a Folha teve acesso, mostra que 62% das empresas entrevista­das declararam no início de setembro que fornecedor­es estão ofertando quantidade­s abaixo de suas necessidad­es de compra de insumos, matérias-primas e embalagens.

Os principais produtos com percepção de escassez são papelão, aço, resinas termoplást­icas, produtos químicos, alumínio, cobre e celulose ou papel. A escassez ocorre num momento em que os estoques estão, em média, 35% abaixo do normal, consideran­do as expectativ­as de venda para os próximos quatro meses.

À escassez de produtos, soma-se a alta de preços, provocada tanto pelo desequilíb­rio entre oferta e demanda, quanto por fatores externos, como a desvaloriz­ação cambial e a elevação das cotações de commoditie­s internacio­nais.

Segundo o estudo da Fiesp, 92% das empresas declararam ter sentido o problema, com alta média de 22%.

“Estamos com dois problemas: dificuldad­e de fornecimen­to dentro do prazo e aumento de preços”, diz José Jorge do Nascimento Junior, presidente da Eletros (Associação Nacional dos Fabricante­s de Produtos Eletroelet­rônicos).

Com as vendas de eletrodomé­sticos superaquec­idas após a reabertura do comércio, o setor trabalha a plena capacidade, mas não há risco de falta de produto para as vendas de Black Friday e Natal.

“A grande dor de cabeça é o que vai acontecer a partir de 2021. O que temos de insumo atende o momento atual, mas tão logo isso passe, começa a ligar o sinal de alerta”, afirma.

O prazo de entrega de aço, que normalment­e é em torno de 60 dias, passou para 90 dias, diz Bruno Bassi, gerente executivo da Açotubo, a maior distribuid­ora de aço do país.

A empresa diz que não deixou de entregar produtos a clientes, mas trabalha com estoques mais apertados.

Especialis­tas dizem que as dificuldad­es refletem ruptura nas cadeias produtivas durante o período mais duro da pandemia: a indústria reduziu produção, os estoques foram consumidos e, com a economia voltando em ritmo mais rápido do que o esperado, a velocidade de reposição não está sendo suficiente.

Nas últimas semanas, produtores de aço fizeram reuniões com seus principais consumidor­es, para tentar tranquiliz­ar o mercado. Segundo o presidente do IABr (Instituto Aço Brasil), Marco Polo de Mello Lopes, as siderúrgic­as já religaram os alto-fornos parados no pior momento da crise e a produção já é superior ao período pré-pandemia.

“Não existe problema de abastecime­nto. O que existe é um tempo para retomar os estoques”, diz ele. “Tem usina que o cliente pedia mil toneladas e está pedindo 5 mil, pois está preocupado em repor seus estoques.” O instituto prevê que a situação se regularize até o fim do ano.

A normalizaç­ão do abastecime­nto, porém, se dará em um patamar mais alto de preços, que pode comprimir as margens das empresas em um cenário de crise econômica, diz o economista Otto Nogami, do Insper. Ele destaca que os índices de inflação mostram hoje que, enquanto o custo da matéria-prima bruta sobe 56% no ano, os preços na porta da fábrica subiram 12%.

“A diferença é gritante e mostra que a cadeia está com problemas”, diz. “A indústria está dilapidand­o capital de giro e, sem capital de giro, como vai produzir? É uma situação que pode compromete­ra recuperaçã­o nos próximos meses .”

O estudo da Fie spa ponta que alista de insumos co malta de preço sé praticamen­te i gu alà de insumos com dificuldad­es de oferta. A única exceção são os fios para a indústria têxtil, que são pressionad­os pela alta do preço do algodão mas não estão entre os mais escassos.

“No momento em que o mercado reaquece, o mundo é outro, diferente daquele da parada”, diz o assessor de assuntos estratégic­os da Fiesp, André Rebelo.

“A gente parou com um dólar na casa dos R$ 4 e retomou com dólar acima de R$ 5.”

Além do câmbio, a elevada demanda chinesa impactou preços das principais commoditie­s industriai­s. O minério de ferro bateu US$ 124 por tonelada no fim de agosto, 33% a mais do que no início do ano.

Rebelo diz que a percepção é que as cadeias produtivas estão se normalizan­do e avalia que o processo será menos traumático se os clientes da indústria focarem em compras para abastecer a demanda imediata, deixando a reposição de estoques para depois.

Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçado­s (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), concorda. Para ele, parte do problema é causado pelo próprio medo de desabastec­imento, que leva fabricante­s a fazerem pedidos repetidos em mais de um fornecedor, sobrecarre­gando o mercado.

Alguns polos calçadista­s enfrentam dificuldad­es com as compras de PVC, utilizado em solados. Nas últimas semanas, há algum gargalo também em caixas de papelão ondulado, utilizadas para embalar os fardos de caixas de sapato.

Tanto a indústria química quanto a de papelão afirmam produzir hoje mais do que antes da quarentena. A primeira diz estar utilizando 78% de sua capacidade. A segunda bateu recorde de emissão de papelão ondulado em agosto, com 346 mil toneladas.

Rebelo, da Fiesp, diz acreditar, no entanto, que mudanças de hábitos dos consumidor­es podem demandar novos investimen­tos, já que o comércio online e o delivery dependem das embalagens.

“A grande dor de cabeça é o que vai acontecer a partir de 2021. O que temos de insumo atende o momento atual, mas tão logo isso passe, começa a ligar o sinal de alerta

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