Folha de S.Paulo

‘Contágio’ expõe como bola da Covid-19 já estava cantada

David Quammen mostra as peças do quebra-cabeça que compõem a pandemia

- ***** Reinaldo José Lopes

Contágio: Infecções de Origem Animal e a Evolução das Pandemias Autor: David Quammen. Trad.: Fernanda Abreu, Isa Mara Lando, Laura Teixeira Motta e Pedro Maia Soares Ed.: Companhia das Letras. R$ 39,90 (ebook); 730 págs.

são carlos O mantra que deveria estarna cabeça de todas as pessoas que sobreviver­am aos novem esesd apresente pandemia é simples: ess abola já estava cantada há muito tempo. Os fatores biológicos, sociais e econômicos que transforma­ram a Covid-19 numa ameaça global foram arquitetad­os faz décadas, conforme mostra o livro-reportagem“Contágio ”, do americano David Quammen.

Qualquer pessoa que se sinta tentada a acreditar em teorias da conspiraçã­o sobre vírus criados por comunistas malvados em laboratóri­o deveria receber um exemplar de presente, aliás, porque a narrativa deQua mm en, com personagen­s e cenários em quatro continente­s, mostra como os cript seguido pelo vírus Sars-CoV-2 é um plágio do que aconteceu com diversos outros patógenos.

Trata-se de um roteiro que combina alógica impessoal do darwinismo com as forças mais caóticas das sociedades humanas. Sabe-se há muito que a maioria das doenças infecciosa­s emergentes surgem quando vírus, bactérias ou outros parasitas microscópi­cos adaptados ase aproveitar do organismo de animais aprendem a invadir o corpo do Homo sapiens. E o mais comum hoje é que essas zoonoses venham de espécies silvestres, que podem funcionar como reservatór­ios naturais dos patógenos, às vezes sem sintoma algum.

Essa equação tem sido facilitada por fatores ques e conjugam para produzira tempestade perfeita pandêmica. Populações em expansão com densidades crescentes, voracidade por recursos naturais e proximidad­e com áreas ricas em biodiversi­dade juntam a fome coma vontade de comer.

Isso porque o desmatamen­to e o tráfico de animais silvestres fazem crescer as oportunida­des de contato entre humanos e bichos que carregam patógenos letais —primatas e morcegos no caso do Ebola; aves migratória­s no das novas cepas de gripe; morcegos, pangolins e talvez outros bichos no dos coronavíru­s. E a densidade populacion­al permite que, uma vez que um patógeno“aprenda” a daros alto, ele se espalhe feito fogo em mato seco, viajando nos aviões.

Qua mm ené soberbo ao expor as peças desse quebra-cabeças. Com fôlego de aventureir­o, visitou as selvas da África equatorial onde nasceu o Ebola e os restaurant­es clandestin­os da China onde, ao menos na década passada, era possível comer praticamen­te qualquer tipo de vertebrado selvagem, inclusive os que abrigam vírus inauditos.

As viagens documentam com precisão como alógica necessária para compreende­ra natureza das doenças infecciosa­s emergentes foi sendo construída, e ota manho esforço dos cientistas que tentam mapeares se tipo de ameaça antes que os cadáveres sejam empilhados.

Tais esforços, embora tenham produzido muitos avanços, ainda estão longe de receber financiame­nto adequado e um nível de cooperação internacio­nal suficiente para minimizar o perigo, como ficou claro nos últimos meses. É desesperad­or imaginar que nem assim o alerta do livro terá garantia de ser ouvido, afinal.

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NIH/Reuters Célula infectada com partículas do novo coronavíru­s (em amarelo)

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