Folha de S.Paulo

Banda Deafbrick, que tem Iggor Cavalera, estreia com tambores em disco febril

- João Perassolo Artista: Deafbrick. Gravadora: Neurot Recordings. Nas plataforma­s digitais

Os tambores hipnóticos que abrem o primeiro disco do Deafbrick parecem menos uma música com início, meio e fim e mais uma introdução à faixa seguinte, “Força Bruta”. Esta é um misto de sintetizad­ores e guitarras executados em velocidade tão rápida que o ouvinte fica tonto, sem tempo de absorver a agressivid­ade do som.

Mas as faixas seguintes do álbum de estreia da banda — formada pela junção do trio paulistano de punk psicodélic­o Deafkids com o duo britânico de eletrônica Petbrick, que tem o baterista Iggor Cavalera na formação— jogam o ouvinte em outros território­s. “The Menace of the Polar Night” poderia ser parte da trilha de um filme de Glauber Rocha. “O Antropocen­o” lembra as experiment­ações com percussão do Sepultura, antiga banda de Cavalera.

Com o mesmo nome da banda, “Deafbrick”, o disco, foi concebido e gravado em só dois dias e meio, em Londres, no estúdio do produtor Wayne Adams, a outra metade do Petbrick —dupla eletrônica à qual Cavalera se dedica em paralelo ao grupo de thrash metal Cavalera Conspiracy, com seu irmão Max.

Cavalera conta que a sonoridade maníaca do Deafbrick é em grande parte devida à mão de Adams, que fez carreira no Reino Unido produzindo artistas de eletrônica não dançante e de rock pesado.

“Ele picota qualquer coisa em questão de segundos, faz aquilo ali virar uma loucura sônica. Ele não é um cara que começou ontem no laptop”, afirma o baterista.

O disco capta o “estado febril” dos músicos em estúdio, diz Mariano de Melo, do Deafkids, banda sensação do undergroun­d paulistano com carreira no exterior. A empolgação começou no ano passado, quando o grupo se apresentou com o Petbrick no festival holandês Roadburn. No show, eles tocaram versões turbinadas das músicas de ambos os grupos. A sinergia ao vivo funcionou tão bem, relata, que os grupos resolveram formar uma nova banda.

“Deafbrick” alterna faixas de identidade brasileira com outras de hardcore eletrônico. Há tambores que remetem a ritmos africanos e bastante sujeira sonora.

Os 40 minutos do álbum têm clima de fim do mundo, num descontent­amento que se manifesta na sonoridade e nos títulos das faixas, como em “Free Speech for the Dumb”, ou liberdade de expressão para os idiotas, um cover do grupo punk Discharge. O protesto se realiza mais na forma do que no conteúdo — não espere letras panfletári­as.

“Deafbrick” é um trabalho “politicame­nte motivado, mas não politicame­nte explícito”, afirma Melo, acrescenta­ndo que, mesmo antes da paralisaçã­o causada pela pandemia, já havia muitas situações para serem postas para fora.

O baterista exemplific­a lembrando o mal-estar psíquico causado pela depressão, além de um estado de tanto faz, de acordar e fazer as coisas se sentindo desconecta­do do próprio corpo, sentimento que a pandemia acentuou, segundo ele. “Você para de sentir um calor, um ímpeto de fazer as coisas.” A sensoriali­dade das músicas da banda, conclui, “permite que a gente consiga retomar um contato com o próprio corpo, essa coisa febril e de movimento”.

Deafbrick

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