Banda Deafbrick, que tem Iggor Cavalera, estreia com tambores em disco febril
Os tambores hipnóticos que abrem o primeiro disco do Deafbrick parecem menos uma música com início, meio e fim e mais uma introdução à faixa seguinte, “Força Bruta”. Esta é um misto de sintetizadores e guitarras executados em velocidade tão rápida que o ouvinte fica tonto, sem tempo de absorver a agressividade do som.
Mas as faixas seguintes do álbum de estreia da banda — formada pela junção do trio paulistano de punk psicodélico Deafkids com o duo britânico de eletrônica Petbrick, que tem o baterista Iggor Cavalera na formação— jogam o ouvinte em outros territórios. “The Menace of the Polar Night” poderia ser parte da trilha de um filme de Glauber Rocha. “O Antropoceno” lembra as experimentações com percussão do Sepultura, antiga banda de Cavalera.
Com o mesmo nome da banda, “Deafbrick”, o disco, foi concebido e gravado em só dois dias e meio, em Londres, no estúdio do produtor Wayne Adams, a outra metade do Petbrick —dupla eletrônica à qual Cavalera se dedica em paralelo ao grupo de thrash metal Cavalera Conspiracy, com seu irmão Max.
Cavalera conta que a sonoridade maníaca do Deafbrick é em grande parte devida à mão de Adams, que fez carreira no Reino Unido produzindo artistas de eletrônica não dançante e de rock pesado.
“Ele picota qualquer coisa em questão de segundos, faz aquilo ali virar uma loucura sônica. Ele não é um cara que começou ontem no laptop”, afirma o baterista.
O disco capta o “estado febril” dos músicos em estúdio, diz Mariano de Melo, do Deafkids, banda sensação do underground paulistano com carreira no exterior. A empolgação começou no ano passado, quando o grupo se apresentou com o Petbrick no festival holandês Roadburn. No show, eles tocaram versões turbinadas das músicas de ambos os grupos. A sinergia ao vivo funcionou tão bem, relata, que os grupos resolveram formar uma nova banda.
“Deafbrick” alterna faixas de identidade brasileira com outras de hardcore eletrônico. Há tambores que remetem a ritmos africanos e bastante sujeira sonora.
Os 40 minutos do álbum têm clima de fim do mundo, num descontentamento que se manifesta na sonoridade e nos títulos das faixas, como em “Free Speech for the Dumb”, ou liberdade de expressão para os idiotas, um cover do grupo punk Discharge. O protesto se realiza mais na forma do que no conteúdo — não espere letras panfletárias.
“Deafbrick” é um trabalho “politicamente motivado, mas não politicamente explícito”, afirma Melo, acrescentando que, mesmo antes da paralisação causada pela pandemia, já havia muitas situações para serem postas para fora.
O baterista exemplifica lembrando o mal-estar psíquico causado pela depressão, além de um estado de tanto faz, de acordar e fazer as coisas se sentindo desconectado do próprio corpo, sentimento que a pandemia acentuou, segundo ele. “Você para de sentir um calor, um ímpeto de fazer as coisas.” A sensorialidade das músicas da banda, conclui, “permite que a gente consiga retomar um contato com o próprio corpo, essa coisa febril e de movimento”.
Deafbrick