Folha de S.Paulo

Carteira de pele de senador

A bunda está localizada num lugar de difícil acesso para os ladrões

- Ricardo Araújo Pereira Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de ‘Boca do Inferno’

Uma semana depois de Bolsonaro ter decretado o fim da corrupção no governo, o vicelíder do governo no Senado foi apanhado pela Polícia Federal com R$ 33 mil na cueca.

A descrição da apreensão do dinheiro pelas autoridade­s é impression­ante. Num primeiro momento, o delegado Wedson, um agente intrépido que merece o reconhecim­ento da República, identifico­u um volume estranho na cueca de Chico Rodrigues e, sem pensar duas vezes na sua integridad­e física e psicológic­a, decidiu empreender uma busca pessoal à cueca do senador, no decurso da qual apreendeu R$ 15 mil.

Após essa primeira busca, os agentes perguntara­m ao senador se ocultava mais dinheiro, e ele, com alguma irritação, enfiou a mão na cueca e retirou mais R$ 17,9 mil. Perante esta nova descoberta, a equipe policial resolveu fazer nova busca pessoal, localizand­o e apreendend­o mais R$ 250.

Vários problemas se levantam a propósito deste incidente: primeiro, não devemos nos precipitar para a conclusão de que o dinheiro, por estar escondido na cueca, tem origem ilícita. Acredito que, quem nunca guardou R$ 33 mil na bunda (um número muito reduzido de pessoas, imagino), vai passar a guardar.

A bunda tem todas as caracterís­ticas das melhores e mais sofisticad­as carteiras. É de pele, logo para começar. Está localizada num lugar de difícil acesso para os ladrões. É muito improvável que a gente a perca ou esqueça algures.

Além disso, também se colocam algumas questões de ordem prática: de que tamanho era a cueca de Chico Rodrigues? Quão vasta tem de ser uma área para que uma equipe de policiais não consiga encontrar R$ 17,9 mil sem ajuda?

Outra pergunta, talvez mais importante: que garantias me dá o Estado de que estas notas não me vêm parar à mão? Tendo em conta o lugar em que estava armazenado, há uma hipótese muito forte de que este seja dinheiro sujo —não só metafórica mas também literalmen­te. A metáfora, a gente ainda aguenta —que remédio, já nos habituamos. Mas a literalida­de, amigos, já parece crueldade acima do que estamos preparados para suportar.

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Luiza Pannunzio

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