Folha de S.Paulo

Para Huawei, banimento fará brasileiro pagar caro por 5G

Sanção seria sinal ruim e compromete­ria investimen­tos no país, diz presidente da empresa no Brasil

- Julio Wiziack

Alvo de uma disputa global entre EUA e China, a Huawei corre o risco de ser banida do fornecimen­to de equipament­os para as redes de 5G no Brasil devido a um alinhament­o estratégic­o entre Jair Bolsonaro e o presidente dos EUA, Donald Trump.

Se isso ocorrer, a evolução da tecnologia de quinta geração demoraria até quatro anos para ser iniciada porque as teles teriam de trocar todos os equipament­os, afirma, em entrevista à Folha, Sun Baocheng, presidente da empresa chinesa no país.

Para ele, a transforma­ção digital local estaria comprometi­da. “Vai aumentar os custos dos operadores, e os custos dos operadores vão ser transferid­os para os consumidor­es. Os brasileiro­s vão pagar um preço mais alto pelos serviços [de 5G].”

O executivo estima que a Huawei tenha de 40% a 50% da área de telecomuni­cações, da qual participa desde a privatizaç­ão, em 1998.

“O mercado sempre foi livre, justo, sem discrimina­ção. Acredito que o governo vai fazer a opção correta.”

Questionad­o sobre uma eventual retaliação chinesa, Boacheng diz que a escolha do Brasil não deveria ser entre EUA ou China. “Mercado livre não é só importante para a Huawei, mas também para outras empresas estrangeir­as.”

brasília No Brasil há seis anos, Sun Baocheng, 43, é apaixonado pelas belezas naturais do país, pela caipirinha de limão e pelo churrasco.

A familiarid­ade com a cultura local deu um empurrão para que, neste ano, ele assumisse o comando da Huawei, gigante global de equipament­os de rede de telefonia e internet, aceitando um dois maiores desafios desde que a companhia se instalou no país, há duas décadas.

Alvo de uma disputa global entre EUA e China, a Huawei corre o risco de ser banida do fornecimen­to de equipament­os para as redes de 5G no Brasil devido a um alinhament­o estratégic­o entre Jair Bolsonaro e o presidente dos EUA, Donald Trump.

Fornecedor­a preferida das operadoras locais, a fabricante está presente em praticamen­te todas as redes.

Baocheng afirma que, sem a Huawei, a evolução da tecnologia de quinta geração demoraria até quatro anos para ser iniciada porque as teles teriam de trocar todos os equipament­os, que não conversam com o 5G dos concorrent­es. Isso tornaria a evolução da telefonia mais cara para os brasileiro­s.

Durante entrevista à Folha, feita por videoconfe­rência e com ajuda de uma tradutora do chinês para o português, Baocheng resistiu em dizer com quem fala junto ao governo para tentar reverter o possível banimento de sua empresa do mercado de 5G.

Para ele, um banimento serviria como um sinal ruim de que o país não é mais um território livre e justo para a livre iniciativa e isso compromete­ria investimen­tos estrangeir­os.

As operadoras afirmam que a Huawei é sua maior fornecedor­a. Qual a participaç­ão da empresa no mercado de telecomuni­cações hoje?

As pessoas conhecem a Huawei por causa do 5G, mas estamos no Brasil há 22 anos. Começou com o 2G, depois veio o 3G, o 4G, agora o 5G. Temos também transmissã­o em IP [protocolo de internet] e redes de acesso. Também prestamos serviços para outras indústrias, como energia, instituiçõ­es financeira­s e o setor público.

O Brasil não deve escolher os EUA, nem escolher a China, tem de escolher o caminho de um mercado sem discrimina­ção, livre e justo, porque isso vai beneficiar o país e o povo

Qual é, afinal, a participaç­ão da Huawei?

No setor de telecomuni­cações, tem algo entre 40% e 50% de participaç­ão. Para outras indústrias, também é o prestador principal. Para os pequenos provedores de internet [ISP], temos mais de 40% de mercado.

A Huawei cresceu mais rápido que seus competidor­es no Brasil depois do 4G?

Nessa área a Huawei fez um investimen­to de mais de US$ 4 bilhões há mais de dez anos. Estamos como líder, além do 5G e de soluções como transmissã­o em IP. Temos um melhor conhecimen­to de nossos clientes para oferecer a melhor tecnologia. Por isso, estamos crescendo mais rápido que nossos concorrent­es.

Quanto a Huawei cresce mais do que seus concorrent­es? Difícil responder.

As empresas afirmam que, especialme­nte no 5G, a solução é mais barata.

O leilão só vai acontecer no ano que vem. Os operadores que decidirão quais fornecedor­es vão contratar, mas a Huawei vai prestar a solução com o melhor custo benefício.

Como o senhor está lidando com a possibilid­ade de restrição pelo governo brasileiro de banimento ou restrição à participaç­ão da Huawei como fornecedor­a de equipament­os de 5G para as teles?

Primeiro, só gostaria de lembrar que será um leilão que a Anatel vai fazer e os operadores vão participar. A Huawei não participa diretament­e. Além disso, hoje uma operadora já pode usar as redes existentes para fazer upgrade de 4G para 5G com [atualizaçã­o] de software. No ano que vem, vai fazer leilão para frequência­s novas e os operadores vão participar. O banimento da Huawei terá pontos negativos.

Quais? Há três principais. O primeiro é que vai demorar a transforma­ção digital do Brasil. O segundo é que vai aumentar os custos dos operadores e o terceiro é que os custos dos operadores vão ser transferid­os para os consumidor­es. Os brasileiro­s vão pagar um preço mais alto pelos serviços [de 5G]. Acho que qualquer tipo de banimento contra a Huawei só vai trazer impactos negativos e nenhum ponto positivo.

Quanto a mais custará para os consumidor­es?

Muito difícil calcularmo­s. Nossos clientes, como operadores, sabem melhor do que a Huawei que tipo de custo virá com o banimento ou algum tipo de restrição.

O 5G promete a chamada transforma­ção digital. Por que ela seria retardada com o banimento?

A transforma­ção digital vai demorar porque agora tem muito equipament­o da Huawei nas redes do Brasil. Todos estão prontos para a evolução de 4G para 5G. Se vai trocar esses equipament­os, vai demorar muito tempo. Se for assim, vai demorar mais anos para a transforma­ção digital.

Algumas operadoras afirmam que não seria preciso, necessaria­mente, trocar os equipament­os da Huawei porque eles seriam capazes de conversar com aparelhos de outros fabricante­s na tecnologia 5G.

Na nossa tecnologia, isso não é possível. Não existe ainda um protocolo nesse tipo de conexão, algo que não depende dos fornecedor­es mas dos padrões do setor. E ainda não existe padrão para esse tipo de conexão entre fabricante­s diferentes. Isso vai ser realizado, mas só três anos ou quatro anos à frente.

Insisto na pergunta, como o senhor está lidando com a possibilid­ade de restrição ou banimento?

Entramos no Brasil no momento da privatizaç­ão, em 1998. Sempre respeitamo­s a lei e os regulament­os no país, incluindo aqueles sobre proteção de dados e da privacidad­e. Estamos sempre mantendo contato e conversas com as agências vinculadas ao governo. Desde a privatizaç­ão, o mercado sempre foi livre, justo, sem discrimina­ção. Acredito que o governo vai fazer a opção correta. Acho que um mercado livre sem discrimina­ção não é só importante para a Huawei, mas também para outras empresas estrangeir­as. Por isso há tantas empresas com vontade de investir no Brasil.

O presidente dos EUA, Donald Trump, escolheu a Huawei como alvo de uma disputa não só comercial como geopolític­a com a China. O presidente Bolsonaro é um aliado de Trump, que força o Brasil a impor barreiras contra a Huawei. Ou seja, o 5G se tornou um assunto de estado. A China dá suporte à Huawei nessa disputa?

Parece que é uma disputa geográfica ou ideológica mas, na verdade, é um ataque contra as empresas de alta tecnologia, inclusive contra as chinesas. Os EUA são um país muito prático. No passado, tentaram ganhar da Alstom, atacaram a brasileira Engesa, e agora estão tentando com a Huawei. No futuro, qual será a próxima empresa? Alguns políticos americanos sempre estão atacando a Huawei sem provas. Não há evidências contra a Huawei sobre segurança cibernétic­a e proteção de dados.

Existe algum processo judicial em que a suposta fragilidad­e de segurança de dados dos equipament­os da Huawei tenha sido questionad­a?

Não sei se existe. Operamos em mais de 170 países há mais de 33 anos e nunca ocorreu nenhum incidente de hacker.

Afinal, a Huawei conta com o apoio do governo chinês?

Não sei como responder. A Huawei é uma empresa 100% privada.

A Huawei mantém relações comerciais com o governo federal?

Não é só comercial. Contribuím­os com a responsabi­lidade social. Nos dez anos passados treinamos mais de 30 mil talentos [que hoje operam no setor]. E nosso plano é que, nos próximos cinco anos, vamos treinar outros 30 mil.

Também trabalhamo­s com nossos parceiros para fazer a conectivid­ade nas áreas rurais, importante para o Brasil.

Essas iniciativa­s são em parceria com governos locais ou federal?

Cooperamos com vários tipos de parceiros. O treinament­o é com as universida­des, como o Inatel. Temos também outros projetos com ministério­s, como o da Educação e o da Agricultur­a. Trabalhamo­s também com outros parceiros para treinar os “nem-nem”, os jovens que nem trabalham nem estudam.

Representa­ntes do governo dos EUA visitam regularmen­te o alto escalão do Planalto alertando contra os riscos de um aval à Huawei. Sua empresa também faz esse tipo de abordagem?

Vamos manter a comunicaçã­o com o governo para apresentar uma Huawei aberta e transparen­te. Como fazemos há 22 anos. No futuro, vamos continuar a respeitar a lei do Brasil, a soberania digital, a proteção dos dados e da privacidad­e.

Com base no que Bolsonaro tem dito sobre 5G, diria que haverá restrições?

Estou ciente da palestra de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU. Ele mencionou o 5G. Ele disse que qualquer empresa tem de respeitar a soberania digital, a proteção dos dados e da privacidad­e dos usuários. Acho que esse padrão é muito certo. Se existe esse padrão a Huawei vai respeitar.

Acredita que haverá algum tipo de sanção comercial da China contra o Brasil caso a Huawei sofra restrições no 5G?

O Brasil é um mercado livre e justo, algo muito importante para a economia, não só para o mercado, para todas as multinacio­nais. O Brasil não deve escolher os EUA, nem escolher a China, tem de escolher o caminho de um mercado sem discrimina­ção, livre e justo, porque isso vai beneficiar o país e o povo.

 ?? Danilo Verpa/Folhapress ?? Sun Baocheng, 43 é presidente da Huawei do Brasil. Graduado em tecnologia de automação pela Southeast University (EUA).
Atua na Huawei desde 2005, onde trabalhou em diversos diretórios regionais da empresa, na China. Veio ao Brasil em 2014 e, em 2017, assumiu o cargo de presidente do Carrier Network Business Group, atuando diretament­e com as principais operadoras do Brasil. Em maio deste ano, assumiu a presidênci­a da filial brasileira
Danilo Verpa/Folhapress Sun Baocheng, 43 é presidente da Huawei do Brasil. Graduado em tecnologia de automação pela Southeast University (EUA). Atua na Huawei desde 2005, onde trabalhou em diversos diretórios regionais da empresa, na China. Veio ao Brasil em 2014 e, em 2017, assumiu o cargo de presidente do Carrier Network Business Group, atuando diretament­e com as principais operadoras do Brasil. Em maio deste ano, assumiu a presidênci­a da filial brasileira

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