Folha de S.Paulo

Operação da PF em garimpo mira empresário do PA

Amâncio extraiu ouro de reserva por décadas; defesa diz que as suspeitas não são verdadeira­s

- Fabiano Maisonnave

Duas megaoperaç­ões tiveram como alvo o império criado por Armando Amâncio da Silva a partir da extração ilegal de ouro de uma reserva no Pará. Defesa do empresário, internado em São Paulo, nega a acusação.

curitiba De origem pobre, o empresário Armando Amâncio da Silva criou um império de aviação enquanto extraía ouro ilegalment­e em um garimpo dentro da Reserva Biológica (Rebio) Maicuru, no norte do Pará. Na semana passada, as suas operações foram alvo de uma megaoperaç­ão coordenada pela Polícia Federal, encerrando cerca de quatro décadas de impunidade.

Na segunda-feira (12), policiais federais, fiscais do Ibama e militares da Marinha e do Exército fecharam o garimpo Limão, localizado dentro da Rebio, em uma área remota perto da divisa com o Amapá. Na ação, houve destruição de equipament­os e a explosão da pista de pouso clandestin­a.

A extração ali é feita por meio de grandes túneis que avançam dezenas de metros sob a superfície. A PF encontrou 28 pessoas, incluindo indígenas da região, além de uma “substância apresentad­a como se fosse ouro” que ainda passará por perícia.

Dias antes, na sexta-feira (9), a PF havia apreendido 44 kg de ouro encontrado­s em um cofre na casa de Amâncio da Silva, em Santarém (PA). As barras, avaliadas em R$ 14,8 milhões, têm como possível origem o garimpo Limão, de acordo com a PF.

Nesse dia, também foram apreendida­s quatro aeronaves em Santarém. A PF não confirmou se elas pertencem ao empresário.

Ambas as ações ocorreram no âmbito da Operação Ouro Frio, que investiga a extração e o comércio ilegal do metal no Pará. Esse operativo, por sua vez, integra a Operação Verde Brasil 2, coordenado pela Vice-Presidênci­a da República, contra ilícitos ambientais na Amazônia.

Amâncio da Silva não foi preso. Aos 76 anos, ele está internado em São Paulo, em tratamento de um câncer e também de Covid-19.

A reportagem da Folha enviou diversas perguntas sobre a atuação do empresário ao seu advogado, mas ele se recusou a respondê-las.

“A defesa técnica de Armando Amâncio esclarece que não são verdadeira­s as suspeitas, sendo certo que todas as questões serão devidament­e esclarecid­as por meio de provas que serão oportuname­nte apresentad­as nos autos”, afirmou o advogado Paulo Emílio Catta Preta, que tem Fabrício Queiroz, exassessor de senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) entre os seus clientes.

O garimpo Limão é explorado por Amâncio da Silva desde a década de 1980, segundo relatos obtidos pela Folha. Natural de Gilbués (PI), filho de agricultor­es e com ensino fundamenta­l incompleto, ele era apenas um dos milhares de nordestino­s que migraram para a Amazônia atrás do ouro. Ele teria chegado ao local após ter contratado um explorador para encontrar um filão na floresta.

De perfil discreto, Armando Amâncio não autoriza bebidas nem prostituiç­ão no Limão, diferentem­ente de outros garimpos da região, segundo relatos à reportagem. Na operação, a PF não encontrou drogas, bebidas e prática de prostituiç­ão.

No início dos anos 2000, Amâncio da Silva e outros donos de garimpo da região da Calha Norte, entre o Amapá e o Pará, se uniram para tentar regulariza­r a atividade. Eles chegaram a se reunir com o então senador José Sarney (MDB-AP). Em foto obtida pela reportagem, os dois aparecem lado a lado durante um encontro na casa do ex-presidente em Macapá (veja na galeria).

Esse esforço não deu certo. Em 2006, o então governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), assinou a criação da Rebio Maicuru em uma vasta área que incluiu o Limão e outros garimpos. Trata-se da categoria mais restritiva de proteção ambicom

ental do país, que proíbe qualquer interferên­cia humana.

Mesmo assim, o garimpo Limão continuou operando —e com pleno conhecimen­to do governo do Pará. No Plano de Manejo da Rebio Maicuru, publicação oficial de 2011, há fotos e até um censo dos quatro garimpos ilegais atuando na época, todos com pistas de pouso próprias, controlada­s pelos donos. O uso de mercúrio, metal

poluente, era disseminad­o.

No caso do garimpo Limão, Amâncio da Silva é identifica­do como o dono. Viviam ali 110 pessoas, entre garimpeiro­s, gerentes e cozinheira­s.

Na época, o ex-garimpeiro já havia diversific­ado suas atividades. Seis anos antes, em 2005, ele criou a Piquiatuba Táxi Aéreo, com sede em Santarém. Hoje, é uma das maiores empresas do ramo do país, 27 aeronaves, segundo registro na Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Dessa frota, 18 aeronaves estão em nome da empresa ou de seu dono e uma aparece com financiame­nto.

Ova lorde mercado es tima doédeR $57,4 milhões. Grande parte da frotaédepe quenos aviões, modelos adequados para operarem garimpos.

No site da empresa, há uma lista de “parceiros” públicos e privados, incluindo o Ministério da Defesa, órgãos do governo do Pará e entidades privadas, como a Alcoa, uma das maiores produtoras mundiais de alumínio.

Via assessoria, o Ministério da Defesa afirmou que não possui contrato coma referida empresa. O governo do Pará informou que a empresa prestou serviço de manutenção de aeronaves para o Grupamento Aéreo (Graesp) por cinco anos, contrato encerrado no mês passado.

Questionad­o sobre o garimpo estar operante na Rebio Maicuru desde a sua criação, há 14 anos, o governo paraense, de Helder Barbalho( MD B) informou que realiza um trabal hode inteligênc­ia eque“a conclusão das investigaç­ões e constataçã­o da presença de garimpo ilegal na região terá como finalizaçã­o ações de comando e controle para a exterminaç­ão dessas atividades ilícitas”.

Recentemen­te, uma investigaç­ão conjunta do Ministério Público Federal (MPF) em Santarém e da PF identifico­u ao menos 4.652 aquisições de ouro clandestin­a entre 2015 e 2018, somando R$ 70,3 milhões e 610,8 quilos do metal.

A análise identifico­u que, somente em uma transação em 2015, Amâncio da Silva vendeu 81,8 kg de ouro (R$ 8,8 milhões). Na venda, está registrado que o minério foi extraído em uma área legal, com PLG (Permissão de Lavra Garimpeira ), em nome de Francisco do Nascimento Moura.

Em dois depoimento­s, Moura deu informaçõe­s contraditó­rias sobre Amâncio da Silva. No primeiro, disse que não autorizou outras pessoas a usarem os números de suas PLGs para venderem ouro, a forma mais comum para “esquentar” a extração ilegal.

Na sua segunda declaração, porém, Moura mudou aversão. Disseque havia firmado um acordo com Amâncio da Silva para que ele explorasse o seu garimpo legalizado e apresentou um suposto contrato entre os dois.

Intimado a depor em junho de 2018, o empresário afirmou que essa e outras vendas em que usouPLG de terceiros eram legai seque tinha contrato para explorar quatro áreas de Moura em Itaituba, a centenas de quilômetro­s do garimpo Limão.

“Não se afirma, por ora, que as vendas realizadas por Armando (…) em 2015 correspond­am a ouro extraído legalmente, mas apenas que, à época, não havia elementos para afirmar com segurança que o minério tenha origem clandestin­a”, afirmou o MPF, em ação civil pública protocolad­a no ano passado.

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Divulgação/PF Agentes da PF, Ibama e militares fecharam garimpo que operava ilegalment­e em Maicuru (PA) na segunda-feira (12)
 ?? Reprodução ?? Armando Amâncio da Silva (esq.) ao lado de José Sarney, em Macapá (AP), no início dos anos 2000
Reprodução Armando Amâncio da Silva (esq.) ao lado de José Sarney, em Macapá (AP), no início dos anos 2000

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