Folha de S.Paulo

Em nova rota, Petrobras vende ativos e se volta aos acionistas

Para mercado, empresa pode se tornar ‘máquina de dividendos’ já em 2021

- Nicola Pamplona

Elogiada pelo mercado e criticada por sindicatos, a atual gestão da Petrobras vende mais ativos, tira investimen­to em energias renováveis e foca no pré-sal.

rio de janeiro Entre janeiro de 2019 e julho de 2020, a Petrobras abriu 48 processos de vendas de ativos, uma média de 2,5 por mês. O número é bem maior do que os 1,4 por mês abertos durante o governo Michel Temer e oito vezes os 0,4 por mês verificado­s na segunda gestão Dilma Rousseff.

A estatístic­a, elaborada pelo Dieese (Departamen­to Intersindi­cal de Estatístic­as e Estudos Sócio-Econômicos), retrata a principal mudança estratégic­a na companhia sob o comando do economista Roberto Castello Branco, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro para presidir a estatal.

Elogiada pelo mercado e criticada por sindicatos e pela oposição, a gestão Castello Branco acelerou um processo de reposicion­amento da empresa, que abandona negócios considerad­os não prioritári­os, incluindo energias renováveis, e foca cada vez mais no pré-sal. A mudança ganhou respaldo legal no início do mês, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou a empresa a criar subsidiári­as para vender, em processo que tinha como alvo principal o processo de venda de 8 de suas 13 refinarias.

Sob o argumento de que não gera caixa suficiente para reduzir dívida e investir no pré-sal, a empresa diz que deve abrir mão de operações menos rentáveis. “O pré-sal é um ativo que a gente sabe gerir melhor do que qualquer outro”, diz o gerente executivo de Estratégia da companhia, Rafael Chaves. O plano prevê uma empresa mais focada na região Sudeste, com suas atenções voltadas principalm­ente para os campos de petróleo na costa do Rio e São Paulo e mantendo apenas as refinarias nos dois estados.

“Estamos escolhendo ativos de classe mundial. Por exemplo, o parque de refino de SP é próximo da oferta do petróleo, é próximo do mercado consumidor e próximo também da logística. Às vezes as pessoas associam à localizaçã­o geográfica, mas não é questão de preferênci­a”, diz.

Defensor da privatizaç­ão da Petrobras, Castello Branco esteve no conselho de administra­ção da companhia durante o governo Temer, mas deixou o cargo por discordar do ritmo das mudanças — o plano de venda de refinarias de Pedro Parente, por exemplo, incluía apenas quatro unidades.

Egresso da Vale, trouxe para a sua gestão executivos da mineradora, como a diretora financeira, Andrea Marques de Almeida, e o diretor de Logística, André Chiarini, montando a diretoria com menor proporção de executivos de carreira da história recente.

E, assim como a Vale, o mercado espera que a Petrobras se torne uma boa pagadora de dividendos assim que equacionar sua dívida. No fim de 2019, a estatal aprovou política que amplia os valores distribuíd­os aos acionistas quando a dívida estiver abaixo de US$ 60 bilhões. No segundo trimestre eram US$ 71,2 bilhões.

Além do mínimo previsto em lei, de 25% do lucro líquido, a nova política prevê distribuir ainda 60% da diferença entre o fluxo de caixa operaciona­l e os investimen­tos. O mercado espera que a meta de dívida seja atingida já em 2021, o que tornaria a Petrobras uma “máquina de dividendos”, nas palavras dos analistas do BTG Pactual.

Castello Branco tem repetido que a Petrobras remunera mal o acionista e costuma citar que o governo é o principal deles. Sua gestão melhorou também a remuneraçã­o dos executivos, com um novo plano de remuneraçã­o variável que pode dar até 13 salários ao presidente da companhia no caso de cumpriment­o das metas de desempenho.

Sindicatos de petroleiro­s criticam que tanto os dividendos quanto os bônus da diretoria estão atrelados à venda de ativos. “A diretoria é premiada com recursos financeiro­s a partir do momento em que ele consegue cumprir metas de privatizaç­ões que serão maléficas para a própria empresa no futuro”, diz o diretor da FUP (Federação Única dos Petroleiro­s), Deyvid Bacelar.

A categoria afirma que a venda de refinarias reduz capacidade de se apropriar de margens de lucro sobre os combustíve­is em períodos de petróleo barato. E questiona a retirada de energia renováveis do plano de investimen­to. “A Petrobras ia ser uma empresa de energia, mas agora quer ser uma empresa de commoditie­s”, diz Bacelar.

“Já estamos atrasados em energia renovável e me parece um equívoco a Petrobras não estar articulada com essa discussão”, diz o economista Ricardo Balistiero, coordenado­r do curso de Administra­ção do Instituto Mauá de Tecnologia. Balistiero diz ser favorável ao maior foco no présal, mas questiona a possibilid­ade de criação de subsidiári­as para venda de ativos sem o aval do Congresso. “A decisão não pode ficar na mão dos 11 juízes do STF”, avalia.

Para o economista do Dieese, Cloviomar Cararine, a redução do papel no refino indica maior força política do governo Bolsonaro. “Pedro Parente encontrou mais dificuldad­es [para vender ativos], tanto por questões políticas quanto por questões legais. Mas Temer tinha um peso político bem menor do que o Bolsonaro.”

Ele ressalta que há um alinhament­o entre a estratégia e o “pensamento liberal” da área econômica do governo, que trabalha para abrir, entre outros, os setores de refino e gás natural. A proposta de sair definitiva­mente da BR Distribuid­ora, por exemplo, seguiria esse raciocínio.

Assim como a saída de estados do Nordeste, que gerou a campanha “Fica Petrobras”, e o corte de patrocínio­s culturais, outra marca da gestão Castello Branco. “A Petrobras é uma empresa estatal, não é uma empresa privada. E como estatal, ela tem que cumprir certos papéis”, diz Cararine.

O gerente de Estratégia da estatal nega que a meta seja reduzir o tamanho da empresa. “Não é uma empresa menor. Dependendo da métrica, a Petrobras está se tornando maior”, afirma, dizendo que o investimen­to previsto no maior campo do pré-sal Búzios, por exemplo, é maior do que o valor do desinvesti­mento no refino.

Ele argumenta que o volume de investimen­tos da empresa nos próximos anos vai depender do tamanho da venda de ativos. Sobre as energias renováveis, afirma que a empresa precisa antes adquirir competênci­a e tecnologia. “Quando formos os melhores nisso, podemos entrar.”

Depois de episódios polêmicos no início da gestão — como a indicação de um ex-candidato apoiado por Bolsonaro para cargo que ele não poderia ocupar ou o recuo em reajuste do diesel que levou a empresa a perder R$ 32 bilhões em valor de mercado —a gestão é hoje vista pelo mercado como independen­te.

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