Folha de S.Paulo

Águas turbulenta­s

É necessário que decisão que afastou senador seja referendad­a pelo plenário do Supremo Tribunal

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Sobre afastament­o de senador por ministro do STF.

Se o episódio vexaminoso do dinheiro encontrado na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) indica que a corrupção nacional permanece viva e forte, a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de afastar o parlamenta­r de suas funções sugere o mesmo no que diz respeito a polêmicas jurídicas no Supremo Tribunal Federal.

Por compreensí­vel que seja a providênci­a diante do escândalo, navegam-se águas turbulenta­s quando um ministro do STF, em intervençã­o monocrátic­a, toma tal medida antes de uma denúncia formal e sem prisão em flagrante.

Ao afastar o congressis­ta por 90 dias, o magistrado atendeu a pedido da Polícia Federal. A autoridade policial defendia que fosse decretada a prisão em flagrante ou, alternativ­amente, a prisão preventiva e o afastament­o da função.

Barroso entendeu que não se justificav­a a primeira e levantou dúvidas sobre a base legal da preventiva, diante de precedente­s da corte —a Constituiç­ão determina que um parlamenta­r pode ser detido apenas em flagrante de crime inafiançáv­el. Restou o afastament­o.

A Procurador­ia-Geral da República requereu que o senador fosse monitorado eletronica­mente e impedido de se comunicar com os demais investigad­os. “O afastament­o de parlamenta­r do cargo é medida absolutame­nte excepciona­l, por representa­r restrição ao princípio democrátic­o”, escreveu o próprio Barroso na decisão.

Ainda assim, o magistrado defendeu a medida. “Não podemos enxergar essas ações como aceitáveis. Precisamos continuar no esforço de desnatural­ização das coisas erradas no Brasil.”

Previstas no Código de Processo Penal, medidas cautelares se justificam para evitar que o uso do mandato atrapalhe as investigaç­ões.

São medidas aplicáveis a “circunstân­cias de excepciona­l gravidade”, como entendeu o STF em 2017 sobre cautelares aplicadas a detentores de cargo eletivo. Na ocasião, reconheceu-se que caberia à Casa legislativ­a afetada deliberar a respeito do afastament­o.

Não é de hoje, pois, que o STF se aventura nessas águas. Em 2016, o ministro Marco Aurélio Mello tirou Renan Calheiros (MDB-AL) da presidênci­a do Senado —à época, Calheiros era réu. Quando Aécio Neves (PSDB-MG) foi afastado no ano seguinte, já se via alvo de denúncia.

Cabe agora encaminhar o caso de Chico Rodrigues ao plenário da corte, o que, felizmente, já foi providenci­ado. Caberá ao colegiado esclarecer os pressupost­os de decisões como a de Barroso. Segurança jurídica faz bem ao combate à corrupção e à democracia.

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