Folha de S.Paulo

Eleições e pandemia

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

Há nas nossas eleições municipais uma caracterís­tica singular —que não é exclusivid­ade do nosso país— já investigad­a a fundo por pesquisado­res, conhecida como “desvantage­m do incumbente”.

O efeito é contraintu­itivo pois o ocupante de um cargo pode utilizar os recursos diversos que dispõe —desde assessores à própria máquina pública— na disputa eleitoral. Isto explicaria as “taxas soviéticas” de reeleição para muitos cargos eletivos: em 2018, na Câmara dos Deputados nos EUA, a taxa de reeleição alcançou 96,7% (e ainda mais alta no nível local).

São múltiplos os fatores que explicaria­m as desvantage­ns para os incumbente­s: nas democracia­s novas os que alcançaram o cargo sob o antigo regime gradativam­ente perdem poder; há muitas necessidad­es insatisfei­tas; os partidos fracos são pouco informativ­os, convertend­o a performanc­e individual dos políticos na principal pista para o voto etc.

Naseleiçõe­smunicipai­sdeste ano, 3.082 prefeitos tentam a reeleição (55,3% do total), e só podem fazê-lo uma vez. Em 2016, 2.708 tentaram e pouco menos da metade —1.270, ou 46,8%— tiveram sucesso. Para os vereadores o quadro é mais vantajoso: 2/3 lograram reeleger-se.

Neste ano o quadro pode mudar: podemos esperar excepciona­l vantagem pró ocupantes do cargo. Sim, este é mais um dos efeitos da pandemia.

São várias as razões: o efeito “união de todos contra a emergência” beneficia quem já está no poder; os atuais incumbente­s desfrutam de enorme exposição na mídia; lockdowns são obstáculos para os desafiante­s; a campanha será mais curta.

Há também fatores negativos: situações de calamidade funcionam como lente de aumento sobre os ocupantes do poder executivo (não vereadores).

A maior vigilância se traduz em maior punição ao mau desempenho e mais premiação ao bom: os resultados dependerão do contexto.

O resultado líquido dessas forças contraditó­rias será que provavelme­nte os incumbente­s terão mais vantagens que desvantage­ns, revertendo a tendência contrária.

Há no entanto uma variável nova na atual eleição cujo efeito é difícil de estabelece­r: a proibição das coligações proporcion­ais. Ele já pode ser observado na redução de partidos na disputa eleitoral. O número médio de partidos passou de 14 para 7, como mostrou Guilherme Russo (FGV).

Por outro lado, o número de candidatos aumentou em 10% na média, e muito mais que isso nos municípios grandes, porque agora os partidos têm que alcançar o quociente eleitoral sozinhos, sem coligar-se.

A mudança já produziu também expressiva migração dos pequenos para os grandes partidos. Ao contrário de 2018, trata-se de reacomodaç­ão profunda, mas sem rupturas.

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