Folha de S.Paulo

Jabuti, Rap e união estável

- Catarina Rochamonte

fortaleza A decisão do ministro Marco Aurélio Mello de aceitar o habeas corpus para soltar o traficante André do Rap baseou-se em um “jabuti” inserido no “pacote anticrime” elaborado pelo então ministro da Justiça Sergio Moro.

O termo “jabuti” é utilizado para se referir à adulteraçã­o de projetos enviados ao Parlamento por meio de acréscimos estranhos ao seu teor original, conforme as conveniênc­ias de políticos inescrupul­osos. À época, mesmo com parecer técnico da área jurídica do Ministério da Justiça pedindo explicitam­ente o veto do artigo 316, o presidente Bolsonaro sancionou o projeto com “jabuti” e tudo.

A decisão de soltar um criminoso internacio­nal de altíssima periculosi­dade, já duas vezes condenado em segunda instância, teve o condão de despertar a indignação da sociedade. O presidente do STF Luiz Fux, em caráter excepciona­l, suspendeu a liminar de Marco Aurélio, levando em seguida o caso para análise do colegiado, que referendou a decisão do ministro-presidente por um placar de 9 a 1, mantendo assim a ordem de prisão do bandido, já foragido.

A credibilid­ade das instituiçõ­es é imprescind­ível à democracia. Lamentavel­mente, enquanto a atitude de Fux evitava que a imagem do STF ficasse ainda mais desgastada, no Congresso Nacional desdobrava-se outro escândalo: a operação Desvid-19, que investiga desvio de quase R$ 20 milhões destinados ao combate à pandemia, chegava ao vice-líder do governo no Senado, Chico Rodrigues, que, pego em flagrante, tentou esconder R$ 33 mil na cueca e entre as nádegas.

O senador que protagoniz­ou cena tão vexatória é amigo do presidente; tão amigo que Bolsonaro já disse ter com ele “quase uma união estável”; tão amigo que tinha um primo dos filhos do presidente como assessor. Embora o flagrante tenha estremecid­o a relação e Bolsonaro tenha tirado o amigo da vice-liderança, permanece estável a união do presidente com o centrão, setor político fisiológic­o repleto de parlamenta­res investigad­os por corrupção.

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