Folha de S.Paulo

Não há tempo a perder

- Ana Cristina Rosa

brasília Uma pessoa negra em posição de destaque pode despertar orgulho, inveja, admiração, desprezo, indiferenç­a ou servir de exemplo. Tudo vai depender do interlocut­or ou dos olhos de quem vê. O que pouca gente sabe é que a projeção vem carregada de um peso capaz de aterroriza­r, porém sem deixar margem para recuos ou pausas. Um negro não pode parar, não tem tempo a perder.

Consideran­do que o ser negro por si só já incomoda muita gente, não é preciso ter uma mente brilhante para imaginar que, quando se trata de alguém bem-sucedido, o incômodo é ainda maior. O que pouca gente sabe é que essa pessoa se incomoda também. E não é pouco.

Queira ou não, o sucesso de um negro é automatica­mente convertido em exemplo, uma referência —para o bem ou para o mal. Queira ou não, um negro que “venceu na vida” passa a exercer uma espécie de representa­ção racial outorgada compulsori­amente. Deixa de ser único para virar um símbolo da coletivida­de.

E ainda tem de conviver com aquele olhar que oscila da surpresa ao descrédito numa velocidade similar à da luz sem perder a fidalguia. Afinal de contas, ninguém aguenta mais esse “mimimi” de preto e pardo alegando preconceit­o e discrimina­ção racial.

Ah! Que cansaço que dá. A maioria não faz ideia do quanto é exaustivo.

Mas deixa isso pra lá. Afinal de contas, uma pessoa negra de sucesso também não pode reclamar. Até porque, vai reclamar do que se está ocupando um espaço que todos —o que inclui, claro, os não negros— almejam alcançar?

Tem outra coisa. No “exercício da representa­ção”, não pode se entregar a pensamento­s mais leves, discorrer sobre temas considerad­os efêmeros, como beleza, porque isso é visto como um não assunto. E pretos e pardos que conquistar­am lugar de fala não podem se dar ao luxo de desperdiça­r espaço tratando de algo subjetivo. Como se a vida fosse um dado objetivo —o que não é. Mas a vida do negro tem de ser. E não há tempo a perder.

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