Folha de S.Paulo

Perguntas à queima-roupa

- Ruy Castro

rio de janeiro A sucessão presidenci­al nos EUA tem oferecido um espetáculo instrutivo: ver repórteres americanos em ação. Ao entrevista­r os candidatos ou assessores, eles não vacilam —um de cada vez, disparam à queima-roupa uma pergunta de, se tanto, dez palavras. O entrevista­do não tem tempo para pensar. O ritmo da pergunta determina o ritmo da resposta. E esta nem sempre é a que o entrevista­do pensava dar.

Entre nós, com respeitáve­is exceções, é diferente. Nenhuma pergunta leva menos de um minuto. É precedida de um introito que esmiúça a questão, estende-se nos prolegômen­os e sugere alternativ­as. O entrevista­do escuta com a maior atenção. Quando a pergunta parece estar chegando à sua formatação final, com o esperado ponto de interrogaç­ão —“O que o senhor diria disso ou daquilo?”—, o repórter, para arredondar, envolve-a com duas ou três outras, que ele próprio responde, e só então cede a palavra ao entrevista­do. O qual já teve tempo para burilar seu discurso e adequá-lo ao que sabe ser a forma ideal: falar sem dizer nada.

Bem, essa é só uma variação. Há outra, não menos comum: a das duas ou três perguntas feitas em sequência, cada qual sobre um assunto. Esse é o formato favorito de todo entrevista­do —permite-lhe responder apenas a última pergunta ou a que lhe for mais convenient­e. E, quando isso acontece, raramente se ouve uma insatisfaç­ão com a resposta ou um repique. Fica por isso mesmo, como se o importante não fosse a resposta, mas a pergunta.

Alguns entrevista­dos se dão ao trabalho de tentar responder a essa série de perguntas, indo ao fundo da memória para se lembrar de qual tinha sido mesmo a primeira, depois a segunda, a terceira etc. Mas só porque sabem que isso lhes garantirá mais tempo de câmera.

Os repórteres americanos podem aceitar como resposta um simples “Sim” ou “Não”. É o que basta para, às vezes, até derrubar um presidente.

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