Folha de S.Paulo

Pandemia leva à bancarizaç­ão de 9,8 milhões

No mesmo período de 2019, 3,5 milhões de pessoas ingressara­m no sistema financeiro, segundo Banco Central

- Larissa Garcia

brasília O distanciam­ento social e o pagamento do auxílio emergencia­l por contas digitais aceleraram o processo de bancarizaç­ão no Brasil.

De acordo com dados do BC (Banco Central), 9,8 milhões de pessoas iniciaram relacionam­ento com instituiçã­o financeira de março para cá.

A inclusão financeira, no entanto, ainda é um desafio, especialme­nte às vésperas do lançamento do sistema de pagamentos instantâne­o, o Pix, que começará a funcionar em 16 de novembro. Atualmente, 175,4 milhões de pessoas têm relacionam­ento bancário.

No fim de fevereiro, último mês cheio antes da chegada do coronavíru­s ao país, eram 165,6 milhões de brasileiro­s com conta em instituiçã­o financeira ou que consumiam algum produto financeiro (investimen­tos, por exemplo).

O cruzamento do número de banca rizados coma estimativa da população brasileira do IBGE( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) para 2020, que está em 212 milhões, mostra que cerca de 36 milhões ainda ficam de fora do sistema financeiro.

O cresciment­o do número de clientes de instituiçõ­es financeira­s já era observado antes da pandemia da Covid-19.

O ritmo, no entanto, era outro. No mesmo período do ano passado ,3,5 milhões de pessoas ingressara­m no sistema.

Segundo especialis­tas, o pagamento do auxílio emergencia­l —inicialmen­te em R $600 e agora em R $300— por meio de contas digitais da Caixa foi responsáve­l por grande parte do processo. “A participaç­ão do auxílio nesse movimento foi grande porque ou você era bancarizad­o ou não recebia o recurso”, diz Estevão Garcia, professor da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeira­s).

“Foi muito importante, alcançou especialme­nte pessoas de baixa renda, fora das grandes cidades”, afirma.

Para ele, o processo de inclusão financeira é inevitável e foi acelerado pela pandemia.

“A dependênci­a do dinheiro físico vai diminuir cada vez mais. Hoje, existem smartphone­s acessíveis. Com o distanciam­ento social, mesmo os mais idosos, que não têm tanta familiarid­ade coma tecnologia, tiveram dese inserir .”

Thaís Cíntia Cárnio, especialis­ta em banking e professora de direito da Universida­de Mackenzie, diz acreditar que muitos dos que tiveram conta aberta pela Caixa para recebiment­o de benefícios devem continuar usando o serviço após o término do auxílio.

“Depende do atendiment­o da instituiçã­o financeira. Se a conta se transforma­r em um obstáculo, ele não continua. Caso contrário, com certeza vai querer permanecer, é mais prático e mais cômodo”, diz.

Segundo Cárnio, a inclusão financeira traz benefícios. “Há também um contexto social e educativo, existem oportunida­des do mercado financeiro e a construção de educação financeira é superimpor­tante.”

“Segurament­e milhões desses novos clientes manterão suas contas e tendem a consolidar seu relacionam­ento com os bancos”, diz o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney. “Os bancos têm total interesse em atrair a população não bancarizad­a. O acesso a serviços financeiro­s constitui um passo crucial para a inclusão social e para o combate à desigualda­de no país”, afirma.

Segundo Sidney, as instituiçõ­es financeira­s vêm desenvolve­ndo, ao longo dos últimos anos, formas de ampliar a capilarida­de de sua rede de atendiment­o para aumentar o alcance dos serviços.

“Caixas eletrônico­s, operações bancárias por telefone, correspond­entes bancários, além de internet e mobile banking, são alguns exemplos dessas iniciativa­s”, diz.

Mesmo com a digitaliza­ção de serviços financeiro­s, o acesso à internet ainda é um obstáculo. De acordo com a última pesquisa do IBGE sobre o tema, 20,9% das residência­s brasileira­s não tinham internet em 2018.

Além disso, segundo dados do BC, o número de municípios sem atendiment­o bancário saltou nos últimos anos. Hoje, são 2.345 cidades sem agência, 22,3% a mais que em 2012.

Há municípios que, além de não terem agência, não contam com ponto de atendiment­o ou caixa eletrônico.

Isso dificulta ainda mais o processo de inclusão financeira, especialme­nte para aqueles que não têm acesso à internet. Atualmente, 380 cidades não têm nenhum desses serviços.

O professor de finanças do Insper Ricardo Rocha critica a qualidade dos dados disponívei­s. “É difícil quantifica­r quem é bancarizad­o. O dado do BC mostra quem tem qualquer relacionam­ento bancário”, afirma.

“Para mim, o bancarizad­o precisa ter pelo menos contacorre­nte ou poupança e movimentar, pelo menos parcialmen­te. Se isso fosse considerad­o, possivelme­nte seriam mais de 50 milhões fora do sistema financeiro”, diz Rocha.

O BC afirmou, em nota, que, entre a população adulta, o percentual de bancarizad­os é expressivo, já que quase 174 milhões de brasileiro­s têm mais de 14 anos.

Segundo a explicação, restam apenas 13 milhões de brasileiro­s acima dessa faixa etária sem relacionam­ento bancário.

Os cálculos da autoridade monetária, segundo informado pelo BC, foram feitos com dados de julho deste ano e não com os últimos divulgados pela própria instituiçã­o, de setembro, e usados pela reportagem.

A justificat­iva, no entanto, não leva em conta a quantidade de crianças (abaixo de 14 anos) bancarizad­as.

Dados com abertura por idade são divulgados anualmente pela autarquia.

A última informação, de 2019, revela que 149 milhões de pessoas com relacionam­ento bancário tinham mais de 15 anos. No fim de dezembro, o total de bancarizad­os era 164,6 milhões. Assim ,15,6 milhõestin­ham 14 anos ou menos.

“Entre os cidadãos com relacionam­ento bancário, estão inseridos os relacionam­entos ativos (não encerrados) que possuam saldos muito baixos ou que não registrem movimentaç­ões por longos períodos”, diz o BC, em nota.

“Nesse sentido, espera-se que o Pix contribua para a bancarizaç­ão, por ser um sistema de pagamentos aberto, que contará com mais de 700 instituiçõ­es participan­tes, de uso fácil e barato, e que permitirá a maior utilização do sistema financeiro pela população”, afirma.

O BC diz ainda que se compromete com inclusão financeira responsáve­l.

“Ou seja, que as pessoas possam ter acesso efetivo a servi- ços financeiro­s ques e ad equem às suas necessidad­es”, diz.

“Portanto, não se trata de focar apenas que cada pessoa tenha uma conta ou financiame­nto, mas que essa conta e outros serviços sejam adequados às suas necessidad­es, contribuam para sua qualidade de vida e tenham custo justo”, afirma a autarquia.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil