Folha de S.Paulo

Violência, criminalid­ade e pandemia

- Fernanda Mena

são paulo A segurança pública, o crime e a violência não escaparam das múltiplas influência­s da pandemia da Covid-19 no Brasil e seu vai-nãovai nas medidas de prevenção e distanciam­ento social.

Ainda é cedo para determinar relações de causa e efeito entre as mudanças de comportame­nto e os índices de criminalid­ade. Alguns dados do Anuário de Segurança Pública sugerem, no entanto, que uma coisa influencio­u a outra de forma direta ou inversa.

No caso da violência contra a mulher, por exemplo, que fica mais exposta a seu agressor em condições de confinamen­to doméstico, estudos internacio­nais apontaram para uma maior incidência de agressões em países como França e China na pandemia.

No Brasil, houve redução de 9,9% dos registros de agressão e violência sexual, aqueles que dependem da presença da vítima na delegacia para efetuar o boletim de ocorrência e os exames periciais —uma condição que parece ter sido sensivelme­nte prejudicad­a durante a pandemia.

Ao mesmo tempo, aumentaram em 3,8% as chamadas para o 190 para casos de violência doméstica, em 1,9% os registros de feminicídi­o e em 0,8% os de homicídio doloso com vítimas do sexo feminino.

O descompass­o entre a tendência internacio­nal e a oscilação negativa desse registro formal pode indicar dificuldad­es enfrentada­s pelas vítimas em obter ajuda, por medo ou pela ausência de mecanismos de denúncia e atendiment­o adequados ao novo contexto.

“As mulheres estão com dificuldad­e para pedir ajuda, que é o primeiro passo para sair da situação de violência. Quando vira caso de polícia, é porque tudo já deu errado”, diz Mafoane Odara, do Instituto Avon, que coordena da Coalizão Empresaria­l pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas.

Já os crimes contra o patrimônio seguiram, durante a pandemia, a trajetória de queda apresentad­a entre 2018 e 2019. Pode ser efeito da diminuição na circulação de pessoas em todo o país.

Mas, se atribuirmo­s a redução de crimes contra o patrimônio à diminuição da presença de pessoas nas ruas, por que esse mesmo contexto não derrubou também o número de mortes violentas intenciona­is?

No primeiro semestre de 2020, essa categoria aumentou 7,1%, o que significa uma pessoa morta a cada 10 minutos mesmo sob a pandemia.

Neste contexto, a morte de policiais teve aumento de 19,6%, e as mortes em decorrênci­a de intervençã­o policial tiveram cresciment­o de 6% em relação ao primeiro semestre de 2019.

Vale lembrar que desde 5 de junho o STF suspendeu as operações policiais em comunidade­s do RJ durante a pandemia, salvo em casos “absolutame­nte excepciona­is”.

A medida interrompe­u uma trajetória crescente de mortes decorrente­s de intervençã­o policial no estado e foi provocada por entidades e coletivos que atuam nos território­s de favelas do Rio e que se organizara­m após o assassinat­o do menino João Pedro Mattos, 14, baleado nas costas dentro da casa de seus tios durante uma operação policial.

Entre as hipóteses levantadas para o aumento das mortes estão mudanças nas dinâmicas criminais decorrente­s dos rearranjos impostos aos mercados ilícitos pela pandemia, especialme­nte ao de drogas, o que pode ter acirrado conflitos.

A pandemia alterou tanto alogística de abastecime­nto internacio­naldas redes de tráfico de drogas como sua relação com os usuários, em parte confinados.

A diminuição da oferta de voos por conta da disseminaç­ão do novo coronavíru­s parece ter deslocado partes dos carregamen­tos para o transporte terrestre.

O resultado foi uma diminuição da incidência do crime de tráfico (-8,5%) enos registros de posse e uso (-10,5%) e, ao mesmo tempo, um notável aumento no volume de substância­s ilícitas apreendida­s pela PRF, da ordem de 128% no caso da maconha e de 57% no caso da cocaína.

A redistribu­ição das rotas de tráfico, sua migração para a estradas e a menor quantidade de tráfego nas rodovias por conta da pandemia pode explicar esse forte aumento no volume de drogas apreendida­s.

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