Folha de S.Paulo

Milícias controlam mais da metade do Rio, diz estudo

Mais de 2 milhões de cariocas vivem sob domínio de grupos paramilita­res

- Ana Luiza Albuquerqu­e

ri ode janeiro Um estudo inédito produzi dopo rumar e dede pesquisado­res de diversas instituiçõ­esbrasilei­ras traduziu em números a expansão do poderio das milícias no Rio de Janeiro.

Segundo o levantamen­to, estruturad­o a partir de denúncias recebidas pelo DisqueDenú­ncia, em 2019 os grupos paramilita­res já controlava­m 57,5% da superfície territoria­l da cidade, o que correspond­e a 41 de 161 bairros. Mais de dois milhões de moradores estão sob o domínio dos milicianos.

Isso significa que as milícias, que em sua configuraç­ão atual começaram ase desenvolve­r nos anos 2000, já ultrapassa­m em controle territoria­l facções do tráfico de drogas estabeleci­das a partir da década de 1980, como o CV (Comando Vermelho), o ADA (Amigos dos Amigos) e o TCP (Terceiro Comando Puro). Nos últimos anos, alguns grupos paramilita­res inclusive se associaram ao TCP.

Segundo a pesquisa, o CV, maior facção do Rio, tem 39 bairros sob o seu controle, uma extensão territoria­l de 136 km², ou 11% da cidade, e 1,2 milhão de moradores sob o seu domínio.

A área em disputa também é significat­iva e correspond­e a 25% do território ,52 bairro se 2,6 milhões de pessoas.

Na Região Metropolit­ana, as milícias dominam um território com 3,6 milhões de habitantes, enquanto o CV controla áreas com 2,9 milhões.

Os paramilita­res têm 199 bairros, enquanto o Comando conta com 216. Os pesquisado­res ainda não fizeram a análise percentual do território conquistad­o por cada grupo nessa região.

As milícias são geralmente formadas por quadros das polícias Militar e Civil e dos Bombeiros. Na capital, se concentram principalm­ente na zona oeste. No estado do Rio, estão em especial na Baixada Fluminense. São fruto dos grupos de extermínio que tiveram seu auge na década de 1970.

Em seu início, nos anos 2000, os grupos paramilita­res obtinham lucros em cima da extorsão dos moradores de comunidade­s, por meio da venda de segurança, de gás e do acesso à TV por assinatura.

Nos últimos anos, no entanto, as milícias estenderam seus tentáculos e hoje atuam também na construção ena venda de imóveis irregulare­s e até na cobrança de consultas em hospitais públicos.

O mapa dos grupos armados, divulgado nesta segunda-feira (19), é o primeiro a estabelece­r e mostrar uma metodologi­a para essa pesquisa.

Ele foi produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismo­s da UFF (Universida­de Federal Fluminense), o datalab Fogo Cruzado, o Núcleo de Estudos da Violência da USP, a plataforma digital Pista News e o Disque-Denúncia.

Par achegara os resultados, os pesquisado­res filtraram cerca de 10 mil denúncia sem um universo de quase 38 mil. Em seguida, criaram uma espécie de dicionário com termos que remetiam aos grupos criminosos.

Definiram, também, três critérios para esses termos: controle territoria­l, controle social e atividades de mercado. A partir daí, foi estabeleci­do um sistema de pesos para caracteriz­ar qual facção domina qual área.

“É a primeira vez que está se construind­o uma metodologi­a para tentar, ainda que com imperfeiçõ­es, ter uma dimensão do controle territoria­l armado no Rio de Janeiro. Consideram­os que é fundamenta­l para pensar decisões, avaliações e análises sobre políticas públicas na área de segurança pública”, afirma o pesquisado­r Daniel Hirata, da UFF.

O objetivo, segundo Hira ta,é fazer do mapa uma plataforma aberta, estabelece­ndo diálogo com outros pesquisado­res, promotores, delegados, e coma opinião pública em geral, para obter melhorias na metodologi­a.

Essa é ainda a primeira etapa de um projeto maior. O próximo passo será analisar as denúncias recebidas nos anos anteriores, para entendera evolução da toma dados território­s pelas milícias. O grupo deve atualizar o mapa anualmente, para identifica­r mudanças na configuraç­ão.

Hirata afirma que os pesquisado­res imaginavam que as milícias teriam um grande controle territoria­l, mas diz que se surpreende­ram coma extensão identifica­da.

Para o sociólogo José Cláudio Alves, que estuda as milícias há mais de 20 anos, houve um“boom” desses grupos nos últimos quatro anos, a partir do desenvolvi­mento no país de um discurso de extrema-direita, voltado para políticas de proteçãoàp­opulação e mais duro no campo da segurança pública.

Até 2008, existia uma maior tolerância da opinião pública e dos políticos em relação aos grupos paramilita­res. O cenário mudou quando dois jornalista­s foram torturados por milicianos em uma favela na zona oeste do Rio e, em seguida, foi instalada a CPI das Milícias na Alerj (Assembleia Legislativ­a do Rio).

José Cláudio avalia que, de 2008 a 2016, as milícias recuaram, se reestrutur­aram, mas nunca interrompe­ram os crimes. Nos últimos anos, segundo ele, os criminosos perceberam que existiam condições políticas favoráveis para trabalhar sua expansão.

“As operações [das forças de segurança] sempre visando o tráfico, e nunca voltadas para a estrutura miliciana .[ Os milicianos pensam ]‘ aqu ié o lugar para agente crescer, vamos ganhar dinheiro eter poder político’. São condições favoráveis politicame­nte, discursiva­mente, economicam­ente.”

Na semana passada, a um mês das eleições municipais, uma força-tarefa da Polícia Civil realizou pelo menos sete ações contra as milícias. Em um intervalo de 24h, 17 suspeitos foram mortos.

Em uma única operação, na noite da última quinta-feira (15), 12 homens apontados como milicianos foram assassinad­os. Nenhum era policial da ativa. A polícia diz que os criminosos reagiram eque houve confronto, e informou que apenas um agente ficou ferido.

Após a operação, integrante­s da Polícia Civil passaram ase referira o grupo como “narco milícia” e ressaltara suposta ligação como tráfico.

Para José Cláudio Alves, essa é uma forma de sugerir que os grupos paramilita­res são integrados por civis, e não por agentes de segurança do próprio estado. “Estão empurrando para cima do tráfico a responsabi­lidade pelas milícias. Enquanto isso, a estrutura miliciana, calcada no estado, fica intocada. Ainda usam o discurso do ‘bandido bom é bandido morto’, da extrema-direita, faturando politicame­nte. Por que agora, em plena eleição, uma operação dessa envergadur­a, com esse número de mortes?”

“É a primeira vez que está se construind­o uma metodologi­a para tentar ter uma dimensão do controle territoria­l armado no Rio de Janeiro Daniel Hirata pesquisado­r da UFF

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Reprodução/ TV Globo Policiais durante operação contra milícia em Itaguaí (RJ), na quintafeir­a (15)

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