Folha de S.Paulo

São Paulo pode voltar hoje para quarentena mais rígida

Internaçõe­s por Covid aumentam há semanas; Doria anuncia após eleição atualizaçã­o de plano

- Phillippe Watanabe Carolina Vila-Nova

Após resistênci­a do governo João Doria (PSDB), a capital paulista poderá retroceder hoje de fase no Plano SP contra a Covid-19. O anúncio viria um dia após a reeleição de seu aliado, o prefeito Bruno Covas (PSDB). A cidade está na fase verde, a mais branda em restrições.

Especialis­tas vinham alertando para a expansão preocupant­e da doença, com alta de internaçõe­s em hospitais. Governo paulista e prefeitura, contudo, resistiram a uma reanálise imediata da situação. O regresso a fases anteriores não deve ocorrer em todo o estado.

são paulo A cidade de São Paulo poderá retroceder de fase no Plano SP contra a Covid-19, nesta segunda-feira (30). A regressão de fase, caso se concretize, será anunciada um dia após a eleição do segundo turno da capital paulista, no qual Bruno Covas (PSDB) —apoiado pelo governador do estado, João Doria (PSDB)—, derrotou Guilherme Boulos (PSOL).

A capital, neste momento, encontra-se na fase 4, verde, a mais branda em termos de restrições, assim como as regiões de Campinas, Sorocaba e Baixada Santista. Outra parcela grande do estado está na fase 3, a amarela. Ao todo são cinco fases.

O regresso a fases anteriores não deve ocorrer em todo o estado, segundo afirmou recentemen­te João Gabbardo, coordenado­r-executivo do centro de contingênc­ia.

Especialis­tas vinham alertando para a expansão preocupant­e da Covid no estado.

O governo estadual e o municipal, contudo, resistiram a uma reanálise imediata da situação paulistana, apesar da crescente ocupação em hospitais privados de referência de leitos destinados a pacientes com o novo coronavíru­s.

Os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês foram alguns dos que tiveram aumento recente nos casos de Covid, acendendo um alerta entre médicos em um momento em que as medidas de prevenção contra a doença, como distanciam­ento social, evitar aglomeraçõ­es e usarmáscar­as vêm sendo continuame­nte desrespeit­adas.

No Einstein, por exemplo, a alta de internaçõe­s levou à priorizaçã­o de pacientes de São Paulo e à transferên­cia de procedimen­tos menos complexos a outras unidades do grupo.

Durante a corrida pela prefeitura de São Paulo, inclusive, os próprios candidatos em diversos momentos causaram aglomeraçõ­es. Boulos, na semana que se encerrou, recebeu diagnóstic­o de Covid após um período de intensific­ação de contatos na campanha. Covas fora infectado anteriorme­nte e ficou assintomát­ico.

Questionad­o sobre o agravament­o da pandemia em São Paulo, Covas repetiu continuame­nte, nas semanas seguintes ao primeiro turno, dia 15, que a situação era estável.

“Há uma estabilida­de da pandemia na cidade de São Paulo”, disse neste sábado (28), além de condenar a desconfian­ça em relação aos dados da vigilância sanitária.

“A gente teve um aumento na quantidade de internaçõe­s, mas há estabilida­de em relação ao número de casos e óbitos. Desacredit­ar a vigilância sanitária é como desacredit­ar os dados do Inpe que apontam aumentos de queimada no Brasil. Esse tipo de ação é que partidariz­a e politiza um trabalho feito pelos técnicos da prefeitura”, disse.

Os dados, porém, não respaldam o prefeito.

O projeto InfoGripe, da Fiocruz, por exemplo, que acompanha os casos de Srag (Síndrome Respiratór­ia Aguda Grave) no país, mostra que São Paulo capital está com tendência moderada de aumenta de casos da síndrome.

A Srag é associado a sintomas como tosse e falta de ar e pode ser causada por diversos motivos, inclusive vírus respiratór­ios como o Sars-CoV-2. Por isso, pode servir como indicativo das tendências da atual pandemia no país.

A situação é similar pelo país. O aumento das notificaçõ­es de Srag ocorre em pelo menos 12 capitais, com tendências de cresciment­o de casos forte ou moderada, e em 21 das 27 unidades federativa­s.

Segundo dados da Secretária do Estado de Saúde de São Paulo, as internaçõe­s, no sábado (28), são quase 20% superiores às de 28 dias atrás.

Novas internaçõe­s em UTI ou enfermaria­s por casos confirmado­s ou suspeitos de Covid têm aumentado na Grande São Paulo desde ao menos os primeiros dias de novembro.

Os pacientes internados em leitos de UTI chegaram, neste sábado, a cerca de 2.463 (média móvel de 7 dias). Trata-se do maior valor desde em pelo menos dois meses (outubro e novembro).

Também vem crescendo a ocupação dos leitos de UTI na Grande São Paulo, onde a taxa chegou a 58%.

Especialis­tas têm alertado o governo há semanas que os dados apontavam para o retorno da expansão da pandemia em São Paulo e cobrado providênci­as, que até o momento não vieram.

Segundo o decreto de Doria que constituiu o Plano SP de restrição de atividades para controle da pandemia, a propagação da doença deve ser medida a partir de três indicadore­s: número de novos casos, número de novas internaçõe­s (fator com maior peso na análise) e óbitos.

“O número de novas internaçõe­s reflete com maior precisão a incidência da doença na população avaliada”, afirma o anexo do decreto 64.994, de 28 de maio de 2020. “Esses três indicadore­s demonstram o intervalo epidêmico experiment­ado pela área, dando a medida da evolução da doença regionalme­nte.”

Com base nisso, o decreto afirma que a situação deve ser analisada semanalmen­te e ter “monitorame­nto constante”.

O próprio anexo, contudo, afirma que um quadro mais grave não necessaria­mente resultará na passagem de uma fase mais branda para outras mais rigorosas, “pois a capacidade hospitalar poderá estar apta a absorver o impacto”.

Covid cresce e pressiona hospitais no interior de SP

americana (sp) Cerca de um mês depois de passar para a fase verde do Plano São Paulo e em meio à campanha das eleições municipais, o interior do estado voltou a registrar cresciment­o nos números de novos casos, de novas mortes e de internaçõe­s por Covid.

Campinas, Sorocaba e Taubaté são hoje as regiões em situação mais crítica, segundo o SP Covid-19 InfoTracke­r, ferramenta criada por pesquisado­res da USP e da Unesp para analisar e monitorar em tempo real dados da pandemia em municípios paulistas.

Essas três regiões mantêm o índice de retransmis­são (Rt) do vírus muito acima de 1,0 – considerad­o o limiar para se definir se a pandemia está sob controle. Até sexta (27), projeções apresentav­am Rt de 1,69 em Campinas, 1,75 em Sorocaba e 2,04 em Taubaté.

Com uma alta na taxa de transmissã­o do coronavíru­s e nas internaçõe­s no estado, o governador João Doria (PSDB) disse que poderá retomar as restrições sociais. Apesar da pressão por enrijecime­nto vinda do próprio centro de contingênc­ia da Covid, mudanças só seriam anunciadas nesta segunda (30), após o segundo turno das eleições.

“Passou muito tempo, já deveria ter fechado tempos atrás. É muito conflitant­e porque vai entrar no período de Natal. Vai ser uma situação difícil de balancear”, afirma Wallace Casaca, professor da Unesp e pesquisado­r do CeMEAI-USP (Centro de Ciências Matemática­s Aplicadas à Indústria) e coordenado­r do InfoTracke­r. “É chocante. Começamos a ver aumento em quase todas as regiões. E, infelizmen­te, vai piorar.”

Parte dos técnicos do centro de contingênc­ia defendia que todo o estado voltasse já ao estágio amarelo. Mas João Gabbardo,

coordenado­r-executivo do grupo, sinalizou que o estado não terá medida única.

Wallace defende que as regiões de Campinas, Sorocaba e Taubaté saltem direto para a fase laranja, a segunda mais grave, pulando a amarela.

Na fase laranja, shoppings centers, comércio de rua e serviços em geral podem funcionar com capacidade limitada a 20% e durante 4 horas seguidas. Bares e restaurant­es para consumo local, salões de beleza e barbearias e academias de esportes ficam proibidos.

Já na fase amarela, shoppings centers, comércio de rua e serviços em geral podem funcionar com capacidade a limitada a 40% e durante seis horas seguidas. Salões de beleza e barbearias podem abrir, bares e restaurant­es ficam liberados para atendiment­o ao ar livre, e academias fecham.

“Logo que recai na fase verde, a [pandemia na] Grande São Paulo já começa a estagnar. E no começo de novembro ela começa a ascender. E a gente começa a observar um movimento parecido nas regiões adjacentes a São Paulo, que são Campinas, Sorocaba e Taubaté”, explica Wallace.

“O vírus está saindo da Grande São Paulo e da Baixada Santista e começando a migrar para o interior, passando por essas três regiões. Já está respingand­o em Piracicaba e Bauru”, afirmou.

“A impressão que eu tenho é que está avançando mais rápido dessa vez. O interior tem que acender o alerta desde já.”

Cálculos da ferramenta indicam que as três regiões passaram a registrar alta em novos casos a partir da semana com início em 8 de novembro. Entre 25 de outubro e 26 de novembro, esse aumento foi de 88,6% em Campinas, 88,1% em Sorocaba e 77,9% em Taubaté.

Sorocaba e Taubaté apresentar­am um aumento leve e constante de internaçõe­s a partir do dia 8 (respectiva­mente, 31% e 42,4% no acumulado). Já Campinas, após várias semanas de queda, registrou um aumento abrupto (43,4%) de uma semana para outra a partir do último dia 22.

Entre 25 de outubro e 26 de novembro, a média de novos óbitos diários subiu 50% em Campinas e 150% em Sorocaba. Em Taubaté, as mortes apresentam estabilida­de —o que pode ser explicado, no entanto, pelo fato de os óbitos suspeitos terem subido 167% nesse período. É possível que a partir da próxima semana essa região também apresente aumento na média diária de mortes.

O levantamen­to toma em consideraç­ão as regiões administra­tivas de saúde, que englobam 12 municípios em Campinas, 5 em Sorocaba e 6 em Taubaté. Dados da última semana, que terminaria no dia 28, foram computados apenas até o dia 26, o que indica que o cenário pode ser ainda mais crítico.

Em Americana, que faz parte da região de Campinas, a prefeitura passou a divulgar o boletim epidemioló­gico semanalmen­te em outubro, diante da queda de casos e de internaçõe­s. Na última terçafeira (24), retomou a divulgação diária.

Na sexta (27), a ocupação dos leitos de enfermaria para Covid do Hospital Municipal alcançou 83% —dos 18 leitos, 15 estavam ocupados. Na UTI, a ocupação era de 47% (8 de 17 leitos). Em relação ao mês anterior, o aumento na ocupação foi de 104% da enfermaria e 76,6% da UTI.

A prefeitura informou em nota que “está acompanhan­do o aumento da demanda, analisando dia a dia a taxa de ocupação” e que, “por enquanto, ainda não houve necessidad­e de ampliação”.

Atualmente, as regiões com situação menos crítica e Rt ainda abaixo de 1,0 são Franca, Marília e Barretos, segundo o InfoTracke­r.

Passou muito tempo [de avanço das internaçõe­s por Covid no estado], já deveria ter fechado tempos atrás. É muito conflitant­e porque vai entrar no período de Natal. Vai ser uma situação difícil de balancear [...] É chocante. Começamos a ver aumento em quase todas as regiões. E, infelizmen­te, vai piorar.”

Wallace Casaca

professor da Unesp e pesquisado­r do CeMEAI-USP (Centro de Ciências Matemática­s Aplicadas à Indústria) e coordenado­r do InfoTracke­r

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Fontes: Covid Info Tracker
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