São Paulo pode voltar hoje para quarentena mais rígida
Internações por Covid aumentam há semanas; Doria anuncia após eleição atualização de plano
Após resistência do governo João Doria (PSDB), a capital paulista poderá retroceder hoje de fase no Plano SP contra a Covid-19. O anúncio viria um dia após a reeleição de seu aliado, o prefeito Bruno Covas (PSDB). A cidade está na fase verde, a mais branda em restrições.
Especialistas vinham alertando para a expansão preocupante da doença, com alta de internações em hospitais. Governo paulista e prefeitura, contudo, resistiram a uma reanálise imediata da situação. O regresso a fases anteriores não deve ocorrer em todo o estado.
são paulo A cidade de São Paulo poderá retroceder de fase no Plano SP contra a Covid-19, nesta segunda-feira (30). A regressão de fase, caso se concretize, será anunciada um dia após a eleição do segundo turno da capital paulista, no qual Bruno Covas (PSDB) —apoiado pelo governador do estado, João Doria (PSDB)—, derrotou Guilherme Boulos (PSOL).
A capital, neste momento, encontra-se na fase 4, verde, a mais branda em termos de restrições, assim como as regiões de Campinas, Sorocaba e Baixada Santista. Outra parcela grande do estado está na fase 3, a amarela. Ao todo são cinco fases.
O regresso a fases anteriores não deve ocorrer em todo o estado, segundo afirmou recentemente João Gabbardo, coordenador-executivo do centro de contingência.
Especialistas vinham alertando para a expansão preocupante da Covid no estado.
O governo estadual e o municipal, contudo, resistiram a uma reanálise imediata da situação paulistana, apesar da crescente ocupação em hospitais privados de referência de leitos destinados a pacientes com o novo coronavírus.
Os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês foram alguns dos que tiveram aumento recente nos casos de Covid, acendendo um alerta entre médicos em um momento em que as medidas de prevenção contra a doença, como distanciamento social, evitar aglomerações e usarmáscaras vêm sendo continuamente desrespeitadas.
No Einstein, por exemplo, a alta de internações levou à priorização de pacientes de São Paulo e à transferência de procedimentos menos complexos a outras unidades do grupo.
Durante a corrida pela prefeitura de São Paulo, inclusive, os próprios candidatos em diversos momentos causaram aglomerações. Boulos, na semana que se encerrou, recebeu diagnóstico de Covid após um período de intensificação de contatos na campanha. Covas fora infectado anteriormente e ficou assintomático.
Questionado sobre o agravamento da pandemia em São Paulo, Covas repetiu continuamente, nas semanas seguintes ao primeiro turno, dia 15, que a situação era estável.
“Há uma estabilidade da pandemia na cidade de São Paulo”, disse neste sábado (28), além de condenar a desconfiança em relação aos dados da vigilância sanitária.
“A gente teve um aumento na quantidade de internações, mas há estabilidade em relação ao número de casos e óbitos. Desacreditar a vigilância sanitária é como desacreditar os dados do Inpe que apontam aumentos de queimada no Brasil. Esse tipo de ação é que partidariza e politiza um trabalho feito pelos técnicos da prefeitura”, disse.
Os dados, porém, não respaldam o prefeito.
O projeto InfoGripe, da Fiocruz, por exemplo, que acompanha os casos de Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave) no país, mostra que São Paulo capital está com tendência moderada de aumenta de casos da síndrome.
A Srag é associado a sintomas como tosse e falta de ar e pode ser causada por diversos motivos, inclusive vírus respiratórios como o Sars-CoV-2. Por isso, pode servir como indicativo das tendências da atual pandemia no país.
A situação é similar pelo país. O aumento das notificações de Srag ocorre em pelo menos 12 capitais, com tendências de crescimento de casos forte ou moderada, e em 21 das 27 unidades federativas.
Segundo dados da Secretária do Estado de Saúde de São Paulo, as internações, no sábado (28), são quase 20% superiores às de 28 dias atrás.
Novas internações em UTI ou enfermarias por casos confirmados ou suspeitos de Covid têm aumentado na Grande São Paulo desde ao menos os primeiros dias de novembro.
Os pacientes internados em leitos de UTI chegaram, neste sábado, a cerca de 2.463 (média móvel de 7 dias). Trata-se do maior valor desde em pelo menos dois meses (outubro e novembro).
Também vem crescendo a ocupação dos leitos de UTI na Grande São Paulo, onde a taxa chegou a 58%.
Especialistas têm alertado o governo há semanas que os dados apontavam para o retorno da expansão da pandemia em São Paulo e cobrado providências, que até o momento não vieram.
Segundo o decreto de Doria que constituiu o Plano SP de restrição de atividades para controle da pandemia, a propagação da doença deve ser medida a partir de três indicadores: número de novos casos, número de novas internações (fator com maior peso na análise) e óbitos.
“O número de novas internações reflete com maior precisão a incidência da doença na população avaliada”, afirma o anexo do decreto 64.994, de 28 de maio de 2020. “Esses três indicadores demonstram o intervalo epidêmico experimentado pela área, dando a medida da evolução da doença regionalmente.”
Com base nisso, o decreto afirma que a situação deve ser analisada semanalmente e ter “monitoramento constante”.
O próprio anexo, contudo, afirma que um quadro mais grave não necessariamente resultará na passagem de uma fase mais branda para outras mais rigorosas, “pois a capacidade hospitalar poderá estar apta a absorver o impacto”.
Covid cresce e pressiona hospitais no interior de SP
americana (sp) Cerca de um mês depois de passar para a fase verde do Plano São Paulo e em meio à campanha das eleições municipais, o interior do estado voltou a registrar crescimento nos números de novos casos, de novas mortes e de internações por Covid.
Campinas, Sorocaba e Taubaté são hoje as regiões em situação mais crítica, segundo o SP Covid-19 InfoTracker, ferramenta criada por pesquisadores da USP e da Unesp para analisar e monitorar em tempo real dados da pandemia em municípios paulistas.
Essas três regiões mantêm o índice de retransmissão (Rt) do vírus muito acima de 1,0 – considerado o limiar para se definir se a pandemia está sob controle. Até sexta (27), projeções apresentavam Rt de 1,69 em Campinas, 1,75 em Sorocaba e 2,04 em Taubaté.
Com uma alta na taxa de transmissão do coronavírus e nas internações no estado, o governador João Doria (PSDB) disse que poderá retomar as restrições sociais. Apesar da pressão por enrijecimento vinda do próprio centro de contingência da Covid, mudanças só seriam anunciadas nesta segunda (30), após o segundo turno das eleições.
“Passou muito tempo, já deveria ter fechado tempos atrás. É muito conflitante porque vai entrar no período de Natal. Vai ser uma situação difícil de balancear”, afirma Wallace Casaca, professor da Unesp e pesquisador do CeMEAI-USP (Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria) e coordenador do InfoTracker. “É chocante. Começamos a ver aumento em quase todas as regiões. E, infelizmente, vai piorar.”
Parte dos técnicos do centro de contingência defendia que todo o estado voltasse já ao estágio amarelo. Mas João Gabbardo,
coordenador-executivo do grupo, sinalizou que o estado não terá medida única.
Wallace defende que as regiões de Campinas, Sorocaba e Taubaté saltem direto para a fase laranja, a segunda mais grave, pulando a amarela.
Na fase laranja, shoppings centers, comércio de rua e serviços em geral podem funcionar com capacidade limitada a 20% e durante 4 horas seguidas. Bares e restaurantes para consumo local, salões de beleza e barbearias e academias de esportes ficam proibidos.
Já na fase amarela, shoppings centers, comércio de rua e serviços em geral podem funcionar com capacidade a limitada a 40% e durante seis horas seguidas. Salões de beleza e barbearias podem abrir, bares e restaurantes ficam liberados para atendimento ao ar livre, e academias fecham.
“Logo que recai na fase verde, a [pandemia na] Grande São Paulo já começa a estagnar. E no começo de novembro ela começa a ascender. E a gente começa a observar um movimento parecido nas regiões adjacentes a São Paulo, que são Campinas, Sorocaba e Taubaté”, explica Wallace.
“O vírus está saindo da Grande São Paulo e da Baixada Santista e começando a migrar para o interior, passando por essas três regiões. Já está respingando em Piracicaba e Bauru”, afirmou.
“A impressão que eu tenho é que está avançando mais rápido dessa vez. O interior tem que acender o alerta desde já.”
Cálculos da ferramenta indicam que as três regiões passaram a registrar alta em novos casos a partir da semana com início em 8 de novembro. Entre 25 de outubro e 26 de novembro, esse aumento foi de 88,6% em Campinas, 88,1% em Sorocaba e 77,9% em Taubaté.
Sorocaba e Taubaté apresentaram um aumento leve e constante de internações a partir do dia 8 (respectivamente, 31% e 42,4% no acumulado). Já Campinas, após várias semanas de queda, registrou um aumento abrupto (43,4%) de uma semana para outra a partir do último dia 22.
Entre 25 de outubro e 26 de novembro, a média de novos óbitos diários subiu 50% em Campinas e 150% em Sorocaba. Em Taubaté, as mortes apresentam estabilidade —o que pode ser explicado, no entanto, pelo fato de os óbitos suspeitos terem subido 167% nesse período. É possível que a partir da próxima semana essa região também apresente aumento na média diária de mortes.
O levantamento toma em consideração as regiões administrativas de saúde, que englobam 12 municípios em Campinas, 5 em Sorocaba e 6 em Taubaté. Dados da última semana, que terminaria no dia 28, foram computados apenas até o dia 26, o que indica que o cenário pode ser ainda mais crítico.
Em Americana, que faz parte da região de Campinas, a prefeitura passou a divulgar o boletim epidemiológico semanalmente em outubro, diante da queda de casos e de internações. Na última terçafeira (24), retomou a divulgação diária.
Na sexta (27), a ocupação dos leitos de enfermaria para Covid do Hospital Municipal alcançou 83% —dos 18 leitos, 15 estavam ocupados. Na UTI, a ocupação era de 47% (8 de 17 leitos). Em relação ao mês anterior, o aumento na ocupação foi de 104% da enfermaria e 76,6% da UTI.
A prefeitura informou em nota que “está acompanhando o aumento da demanda, analisando dia a dia a taxa de ocupação” e que, “por enquanto, ainda não houve necessidade de ampliação”.
Atualmente, as regiões com situação menos crítica e Rt ainda abaixo de 1,0 são Franca, Marília e Barretos, segundo o InfoTracker.
Passou muito tempo [de avanço das internações por Covid no estado], já deveria ter fechado tempos atrás. É muito conflitante porque vai entrar no período de Natal. Vai ser uma situação difícil de balancear [...] É chocante. Começamos a ver aumento em quase todas as regiões. E, infelizmente, vai piorar.”
Wallace Casaca
professor da Unesp e pesquisador do CeMEAI-USP (Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria) e coordenador do InfoTracker