Folha de S.Paulo

Corretamen­te político

- Catarina Rochamonte

Desde a ágora ateniense, com os cidadãos construind­o seus consensos e suas leis, abre-se o caminho, muitas vezes tortuosos, da democracia, regime no qual as leis promulgada­s preservam a liberdade de cada um, limitando-a até a extensão em que atinge a liberdade do outro, funcionand­o, nesse sentido, como defesa contra tiranias. Política, no seu sentido original, grego, é a virtude aplicada às questões do bem comum, às questões da “polis”, a cidade-Estado. O agir político é, em si, o agir correto.

Para Aristótele­s, a excelência política depende da phronesis, a prudência, virtude próxima do bom senso. Na linha aristotéli­ca da virtude como mediania entre dois extremos viciosos, cabe à prudência afastar os vícios.

Os extremismo­s de esquerda e de direita que fizeram a desgraça do mundo no séc. 20 foram extremismo­s declarados. Neste século, porém, um extremismo camuflado vem tentando se impor sob a denominaçã­o de “politicame­nte correto”.

Os agentes do politicame­nte correto se julgam e se declaram como representa­ntes progressis­tas do bem em confronto com as entidades atrasadas do mal. Nesse confronto, porém, ultrapassa­m, muitas vezes, os limites do bom senso, descamband­o para o ridículo, como é o caso da tentativa de aplicar a neutralida­de de gênero à gramática.

Começar uma carta oficial da escola com “Querides alunes” pode ser só mais uma forma de aleijar a já maltratada língua portuguesa, mas o que hoje desprezamo­s por ridículo amanhã poderá ser nossa escravidão. O uso da linguagem como método de dominação das mentes não é novidade e já foi descrito no livro “1984”, de Orwell.

Por outro lado, a antipatia que o politicame­nte correto desperta em amplos setores impulsiona uma reação extremista de viés contrário e nessa falta de bom senso e de prudência patinamos, oscilando entre discursos revolucion­ários e reacionári­os, com o pêndulo distante do equilíbrio de um discurso correto.

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