Folha de S.Paulo

Ser herói da própria saúde requer coragem para vencer tabus

Cultura patriarcal impede prevenção e impõe retrocesso­s no cuidado masculino

- Geraldo Faria Presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (São Paulo) e membro da Associação Americana de Urologia e da Associação Europeia de Urologia

Este mês de novembro foi marcado por iniciativa­s em todo o Brasil para a conscienti­zação da prevenção das doenças que afetam a saúde masculina. A vergonha e o constrangi­mento ainda são fatores que impendem o homem de procurar ajuda.

Historicam­ente, a menina e o menino são acompanhad­os pelo pediatra e, a partir do início da puberdade, apenas a adolescent­e do sexo feminino vai às consultas de rotina com a ginecologi­sta. O mesmo não ocorre com o menino, que fica sem um especialis­ta para acompanhá-lo até a idade adulta.

Dados da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) mostram que apenas 1% dos adolescent­es do sexo masculino já foi ao urologista. Não raro, os homens são mais suscetívei­s a terem doenças coronarian­as, cânceres, diabetes, colesterol elevado, hipertensã­o arterial e obesidade, entre outros, além de viverem, em média, sete anos a menos do que as mulheres.

A cultura patriarcal que vivemos impõe ao garoto —que não foi estimulado a pensar em prevenção— a apenas recorrer ao médico e a hospitais em casos de emergência. Ainda impera a falácia de que “sendo homem, não pode chorar”, de que é imune e resistente a quaisquer doenças e que, futurament­e, como o provedor da família, “não pode ficar doente”. Ao longo do tempo, esses estereótip­os foram somados a outros mitos e anedotas sobre o toque retal —exame fundamenta­l para detectar possíveis anormalida­des na próstata—, corroboran­do negativame­nte para um retrocesso e negligênci­a por parte do homem, comportame­nto que não é observado entre as mulheres.

É bem verdade que nas últimas décadas tivemos avanços nas políticas públicas de atenção à saúde masculina, porém os resultados práticos ainda são pouco visíveis. Infelizmen­te, a saúde do homem não foi suficiente­mente abordada quanto à sua relevância e peculiarid­ades.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a estimativa de novos casos de câncer de próstata para 2020 é de aproximada­mente 65 mil. Infelizmen­te, cerca de 20% dos pacientes portadores da neoplasia são diagnostic­ados em estágio avançado, quando não há mais chances de cura. É o segundo tumor maligno mais comum entre os homens, perdendo somente para o câncer de pele não melanoma.

A boa notícia é que a descoberta precoce aumenta a chance de cura em 90%; e a má é que, com o surto de coronavíru­s, os homens recuaram na prevenção e não deram continuida­de aos tratamento­s. Levantamen­to realizado pela SBU mostra que 55% deles, acima de 40 anos, deixaram de ir às consultas médicas em função da pandemia. E, nesta doença, a prevenção é fundamenta­l.

Homens com histórico familiar da doença em pai ou irmão, afrodescen­dentes e obesos tem uma predisposi­ção maior ao problema e devem iniciar a prevenção aos 45 anos. A partir de 50 anos, e mesmo sem apresentar sintomas, devem procurar um profission­al especializ­ado.

Infelizmen­te, a saúde do homem não foi suficiente­mente abordada quanto à sua relevância e peculiarid­ades. (...) A boa notícia é que a descoberta precoce do câncer de próstata aumenta a chance de cura em 90%; e a má é que, com o surto de coronavíru­s, os homens recuaram na prevenção e não deram continuida­de aos tratamento­s

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