Folha de S.Paulo

Campanha focou o próprio Covas, mas tropeçou em vice

Sem grande marca, prefeito se apresentou como sério, moderado e dedicado

- Carolina Linhares

são paulo A reeleição de Bruno Covas (PSDB) neste domingo (29) confirmou a percepção de aliados e adversário­s de que sua campanha acertou ao não nacionaliz­ar o debate eleitoral. Sua corrida, porém, ficará marcada pelo revés em um ponto em que não poderia haver erro: a escolha do vice.

Covas passou toda a campanha defendendo Ricardo Nunes (MDB), depois que a Folha revelou que seu grupo político se beneficiav­a da administra­ção de creches conveniada­s e que sua mulher registrou boletim de ocorrência por ameaça e agressão verbal.

“O candidato a prefeito sou eu, eu falo pelo plano de governo. As pessoas não querem comparar vices nem apoios. Eu que vou governar”, disse Covas na véspera da votação.

A declaração sintetiza outra estratégia da campanha, a de focar o candidato —sua história, experiênci­a e caracterís­ticas pessoais. Sem Bilhete Único, Cidade Limpa, ciclovias ou qualquer grande feito para chamar de seu, o próprio Covas foi vendido pelo marqueteir­o Felipe Soutello como a marca da sua gestão.

Foi apresentad­o como um prefeito sério, moderado, dedicado e presente, que enfrentou o desabament­o de um prédio, uma greve de caminhonei­ros, a pandemia do coronavíru­s e um câncer no trato digestivo, ainda em tratamento, mas controlado.

Essa era a mensagem das propaganda­s de campanha, que recorriam ainda ao avô Mário Covas (PSDB) e ao filho, Tomás, que o prefeito descreve como suas inspiraçõe­s.

No início do calendário eleitoral, Covas já era tido como favorito, mas os tucanos buscavam abafar um clima de “já ganhou”. Apenas a escolha do vice era vista como uma decisão com potencial para minar a liderança do prefeito.

Depois de muita ponderação, com nomes como José Luiz Datena (MDB), Marta Suplicy (à época no Solidaried­ade, hoje sem partido) e Celso Russomanno (Republican­os) descartado­s, a escolha pelo vereador Nunes, em 11 de setembro, acabou como ponto fraco da candidatur­a e flanco dos ataques adversário­s.

De acordo com tucanos, o vice polêmico, que foi escondido na campanha e não atendeu a pedidos de entrevista­s e sabatinas, provocou suor, mas, para alívio dos aliados do prefeito, não barrou a reeleição.

Outra vidraça de Covas explorada pelos demais foi o laço com o governador João Doria (PSDB), de quem foi viceprefei­to em 2016 e 2017. Rejeitado

pelos paulistano­s, Doria foi escondido pela campanha.

A contribuiç­ão negativa de Doria, aliás, foi dupla, já que o governador exerceu pressão pela escolha de Nunes para contemplar uma coligação de 11 partidos vista como ponto de partida para uma frente de apoio a seu nome na eleição presidenci­al de 2022.

Aliados de Covas preferiam uma chapa pura tucana, e o próprio prefeito afirmou, no segundo turno, que gostaria de ter tido uma vice mulher.

A ex-prefeita Marta, que integrou sua campanha como apoiadora, era uma opção, mas a cúpula do Solidaried­ade, partido ao qual ela estava filiada, só topava uma candidatur­a própria ou apoio a Márcio França (PSB) —o cenário de vice de Covas não agradava.

Russomanno também foi cotado, mas seu partido exigia a vaga de vice para apoiar os tucanos, o que acabaria por gerar atrito entre as demais siglas da coligação. As legendas já estavam acertadas em torno de um nome do MDB, que seria o do apresentad­or Datena, porém, ele desistiu.

O MDB propôs então o nome de Nunes. Como os tucanos precisavam agradar à coligação para garantir o maior tempo de TV e mais verbas do fundo eleitoral, a escolha pelo vereador foi vista como a saída mais cautelosa e garantida.

Com mais de 40% do tempo de TV no primeiro turno e R$ 15 milhões de verba dos partidos (sendo R$ 11 milhões do próprio PSDB), Covas pode investir na propaganda e em redes sociais, exibindo ao eleitor as medidas de sua gestão e ações contra o coronavíru­s.

Sua aprovação (índice de ótimo/bom) passou de 25% em setembro, início da corrida eleitoral, para 35% na semana anterior ao segundo turno.

Na eleição da pandemia, o investimen­to na campanha online se mostrou crucial. Covas participou de lives e encontros virtuais, mas não abandonou a agenda de rua, com caminhadas na periferia, cafés em padarias, fotos com eleitores e aglomeraçã­o.

O aumento de internaçõe­s em São Paulo na reta final pressionou o tucano, que passou a ser acusado pelo adversário, Guilherme Boulos (PSOL), de ser negligente com uma segunda onda da doença.

O candidato compartilh­ava ainda a suspeita de que os tucanos só admitiriam o perigo e voltariam a decretar uma quarentena mais rígida após a eleição. A revisão de medidas de isolamento foi marcada por Doria para esta segunda, dia 30 (leia na pág. B1).

“Há estabilida­de da pandemia na cidade de São Paulo. Aqui não há espaço para o discurso alarmista dizendo que estamos escondendo dados, como não há espaço para discurso de que a pandemia já acabou”, disse no sábado.

Do ponto de vista partidário, a reeleição de Covas em São Paulo foi o principal embate vencido pelo PSDB. O prefeito mudou de patamar na sigla e tem seu capital político agora comparado ao de Doria.

Na avaliação dos tucanos, a campanha reposicion­ou o partido, que quer ocupar um campo que chama de centro democrátic­o. Represento­u ainda o reencontro do PSDB com seu eleitor, perdido para Bolsonaro em 2018, e deu forças ao plano de Doria em 2022.

Covas foi, na campanha, associado ao presidente por ter recebido o apoio, no segundo turno, de Russomanno, candidato bolsonaris­ta derrotado.

A campanha tucana, no entanto, usou a tática de não responder a ataques, o que deixou o primeiro turno morno, com brigas apenas entre aqueles que disputavam a vaga contra Covas na segunda etapa.

O clima esquentou apenas da reta final, quando Boulos diminuiu a distância para Covas nas pesquisas. O tucano passou a associar com mais afinco o candidato do PSOL ao radicalism­o e à esquerda, citando até Cuba e Venezuela.

Seus secretário­s enviaram áudios negativos sobre Boulos, inclusive a servidores, e a campanha do PSOL fez acusações sobre uso da máquina e distribuiç­ão de cestas básicas. Entre tucanos e pela internet, passaram a circular reportagen­s contra o líder do MTST e memes de que seu governo abrigaria nomes de petistas, como Lula e Dilma Rousseff.

Covas minimizou a subida de tom nos últimos dias: “Da minha parte não tivemos nenhum ponto em que tivemos que partir para o ataque pessoal. Claro que, na internet, é sempre mais difícil controlar as pessoas de ambos os lados”.

Apesar de representa­rem esquerda e direita, Boulos e Covas não eram tão diferentes, como mostrou a Folha. Ambos rechaçavam o bolsonaris­mo e o discurso do ódio, se definiam como progressis­tas e buscaram, na campanha, resgatar o diálogo, a civilidade e o respeito pela democracia.

Covas e Boulos centraram suas críticas um ao outro nas propostas de governo e nas experiênci­as de vida. “O candidato Guilherme Boulos é meu adversário, não é meu inimigo. Não quero mal a ele, não quero nenhum problema pessoal” disse Covas. “As pessoas têm que perceber que, na democracia, a gente tem que respeitar quem pensa diferente.”

“O candidato a prefeito sou eu, eu falo pelo plano de governo. As pessoas não querem comparar vices nem apoios. Eu que vou governar

Há estabilida­de da pandemia na cidade de São Paulo. Aqui não há espaço para o discurso alarmista dizendo que estamos escondendo dados, como não há espaço para discurso de que a pandemia já acabou Bruno Covas prefeito de São Paulo

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Eduardo Anizelli - 14.nov.19/Folhapress
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