Ricardo Nunes, vice, assume como calo eleitoral de Covas
Vereador conservador passou de político influente na zona sul a foco de polêmicas
são paulo Você sabe quem é o vice do Covas?
Essa foi a pergunta mais repetida ao longo do segundo turno pelo candidato derrotado neste domingo em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), para atingir o adversário, o tucano Bruno Covas (PSDB).
Principal calo do prefeito eleito, Ricardo Nunes (MDB) assumirá em 1º de janeiro como vice-prefeito da cidade, após uma campanha em que passou de vereador influente na zona sul a político mais conhecido por suas ligações controversas com entidades gestoras de creches e por uma queixa na polícia de violência doméstica feita por sua mulher —ele nega agressões e qualquer irregularidade.
Membro da bancada religiosa da Câmara e próximo de grupos conservadores da Igreja Católica, Nunes foi escolhido candidato a vice-prefeito em um aceno ao eleitorado conservador —embora tenha feito parte da base aliada da gestão do petista Fernando Haddad.
Nunes já subiu em carro de som ao lado de padres para denunciar a “ideologia de gênero” e apoiou o projeto da escola sem partido.
Na reta final da campanha, Bruno Covas —fazendo aceno ao eleitorado progressista que tendia a Guilherme Boulos— afirmou que preferia ter lançado uma mulher como candidata a vice.
A ex-prefeita Marta Suplicy chegou a entrar na disputa pela vaga, e também foram cogitados nomes como o do apresentador José Luiz Datena (MDB) e o do deputado federal e candidato derrotado a prefeito Celso Russomanno (Republicanos).
Ricardo Nunes foi escolhido para garantir o apoio do MDB, o que deu maior tempo de televisão para Covas. Foi o resultado de uma costura feita pelo governador João Doria (PSDB) com foco em uma provável candidatura sua à Presidência em 2022.
A ideia inicial de Covas era que o vice ou a vice de sua chapa também fizesse parte do quadro do PSDB.
O nome do vice era considerado chave por dois motivos: a possibilidade de que Covas, que sai fortalecido do pleito, se candidate a governador daqui a dois anos (o que ele nega) e a saúde do prefeito, que se trata de um câncer no sistema digestivo. O tucano, porém, não deixou a prefeitura ao longo do tratamento, que continua sem previsão de término.
O resultado dessa articulação, no entanto, acabou sendo a principal arma utilizada contra Bruno Covas no segundo turno.
Reportagens da Folha mostraram que Nunes é influente em entidades gestoras de creches terceirizadas e de donos de empresas locadoras dos imóveis onde funcionam as escolas ligadas a essas instituições, que são pagos pela administração municipal.
A reportagem encontrou empresas ligadas a funcionários da prefeitura indicados por Nunes que fazem negócios entre si e também com as creches. Além disso, há parentesco entre servidores ligados ao vereador e donos de empresas que faturam com aluguel e também com membros das entidades.
Nunes se defende dizendo que esses vínculos são com pessoas da mesma região em que vive, na zona sul de São Paulo, feitos antes de ter sido eleito vereador da cidade, a partir de 2012.
A presidente de uma entidade já trabalhou com Nunes e se refere a ele, nas redes sociais, como chefe.
De acordo com Nunes, isso não afeta sua atuação como fiscalizador, uma das funções dos vereadores.
O modelo de creches conveniadas é investigado pela Polícia Civil, mas o vice-prefeito eleito não aparece nessa apuração policial específica. Ele é citado, no entanto, em inquérito civil do Ministério Público que apura a proximidade de políticos com as entidades, entre outros pontos.
Além disso, a Folha descobriu que uma das entidades gestoras de creches próximas ao vice-prefeito eleito utilizou recursos recebidos dos cofres públicos municipais para pagar empresas investigadas no inquérito policial da chamada máfia das creches.
A reportagem identificou que, entre as empresas fornecedoras da entidade, há lojinhas que ficam a até 65 km de distância das creches —parte das lojinhas é suspeita de funcionar como fachada em esquema que envolve um escritório de contabilidade.
A entidade gestora de creches também contratou como prestadora de serviços uma empresa da família do próprio Nunes, a Nikkey Serviços, em pagamentos de R$ 50 mil, conforme o vereador disse ao jornal O Estado de S. Paulo.
A Folha também revelou a existência de um boletim de ocorrência de violência doméstica, ameaça e injúria que a esposa de Nunes registrou contra ele em 2011. Os dois, porém, continuam casados, e hoje ela nega qualquer agressão.
O documento policial obtido pelo jornal traz o relato de Regina, que disse à época que deixou Nunes “devido ao ciúmes excessivo” dele.
“Inconformado com a separação, [Nunes] não lhe dá paz, vem efetuando ligações proferindo ameaças, envia mensagens ameaçadoras todos os dias e vai em sua casa onde faz escândalos e a ofende com palavrões. Afirma a vítima que diante da conduta de Ricardo está com medo dele”, diz um dos trechos do boletim de ocorrência assinado por Regina.
Na ocasião da publicação da reportagem, Regina afirmou que no boletim de ocorrência dissera coisas que não são reais. Depois, em meio a críticas de adversários de Covas, ela mudou a versão e afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo não se lembrar de ter feito o boletim de ocorrência.
Tudo isso serviu de artilharia para a campanha derrotada, que redobrou os ataques no segundo turno com vídeos e memes. Nunes chegou a subir ao plenário da Câmara para reclamar que vinha sofrendo “ataques desleais”.
“Você não tem ideia o que é chegar em casa e ver a sua esposa e sua filha menor, a Isabela, chorando. Olha o que estão fazendo eu passar. Não tem sentido uma coisa dessas”, disse ele, afirmando que Boulos fazia “da estratégia política uma guerra”.
No meio da guerra, porém, o vereador recusou convites da Folha para debater com a vice de Boulos, Luiza Erundina (PSOL), ou ser sabatinado, sozinho, quando poderia se explicar.
Embora Nunes tenha ficado escondido durante a campanha, Covas saiu em sua defesa e chegou a dizer que “colocaria a mão no fogo” por ele.