Folha de S.Paulo

‘A gente saiu vitorioso, é o início de um ciclo’, diz Boulos, derrotado em SP

Candidato do PSOL uniu progressis­tas e é cotado para disputar governo do estado ou Planalto em 2022

- Joelmir Tavares e Carolina Linhares

são paulo Com o segundo lugar na disputa pela Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), 38, sai da eleição de 2020 com uma derrota eleitoral para Bruno Covas (PSDB), mas afirma ter colhido uma vitória política e faz acenos nacionais ao falar de futuro.

Ao reconhecer a derrota na noite deste domingo (29), Boulos afirmou que sua campanha servirá de inspiração para o Brasil e criticou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de forma velada.

“Vou trabalhar [...], para que o que a gente conseguiu construir e unir em São Paulo sirva de inspiração para o Brasil. Para ajudar a derrotar o atraso e o autoritari­smo. Vou estar à disposição, como sempre estive, das lutas do nosso povo, em São Paulo e no país, por democracia, justiça e direitos sociais”, afirmou em breve fala transmitid­a online.

Boulos fez seu discurso pelas redes sociais por estar em isolamento em sua casa. Ele foi diagnostic­ado com Covid-19 na sexta (27), na reta final do segundo turno, e nem sequer pôde ir votar neste domingo.

“Nessa campanha nós não construímo­s apenas uma onda de esperança para a eleição desse domingo. Nós construímo­s muito mais, nós apontamos para o futuro. [...] Hoje não é o fim de uma caminhada, é o começo”, afirmou.

A fala corroborou a avaliação entre políticos, tanto adversário­s como aliados, de que o resultado da campanha cacifou Boulos para voos mais altos em 2022. No segundo turno, ele obteve quase 2,2 milhões de votos —40,62% do eleitorado da capital.

“Os mais de dois milhões de votos que a gente recebeu hoje são a energia que a gente precisa para seguir lutando. [...] É a força, é o ponto de partida para que a onda de esperança que a gente viu aqui não fique só aqui. Que seja exemplo e inspiração para milhões de pessoas lutarem por um país mais justo, democrátic­o e diverso”, afirmou Boulos em seu discurso.

“Olhando para a história e para o futuro, não tenho dúvida alguma de que, apesar de a gente não ter ganho essa eleição, a gente saiu vitorioso. É o início de um ciclo que se anuncia”, completou.

No discurso, Boulos agradeceu ainda todos os partidos e nomes que o apoiaram, citando o ex-presidente Lula (PT), o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), a ex-senadora Marina Silva (Rede) e o governador Flávio Dino (PC do B).

“Nós vamos seguir lutando por uma sociedade onde ninguém more na rua, onde ninguém vire o lixo para poder comer. Uma sociedade onde ninguém seja morto pela cor da sua pele, onde as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens, onde todas as formas de amor sejam respeitada­s”, disse.

Em uma aparição anterior na sacada de sua casa, perto das 19h30, ele agradeceu aos apoiadores que estavam no local e ressaltou sua vontade de atuar por “um país sem autoritari­smo, que combata o atraso”. Alguns militantes choraram. Ele falou brevemente, ao lado da mulher, Natalia Szermeta, também ativista de moradia.

O coordenado­r do MTST (Movimento dos Trabalhado­res Sem Teto) conseguiu aglutinar em torno de si uma frente de partidos de esquerda que também serve de ensaio para a eleição nacional daqui a dois anos.

Apesar da derrota, a campanha do PSOL acabou fortalecen­do o campo progressis­ta. Não sem crises, é claro. O resultado da eleição vai exigir uma reacomodaç­ão entre PT e PSOL na cidade.

O período eleitoral foi marcado por pressão ao candidato do PT, Jilmar Tatto, sempre atrás de Boulos nas pesquisas, para que desistisse, mas ele só aderiu a Boulos no segundo turno.

Para o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, Boulos “sai credenciad­o como o principal nome da esquerda em São Paulo”.

“É um feito extraordin­ário superar as dificuldad­es materiais, o preconceit­o, todas as adversidad­es e chegar a esse resultado. Estamos muito satisfeito­s”, afirmou. O dirigente disse ainda que a legenda fecha a eleição em São Paulo com um vitória política, apesar de ter perdido para o PSDB. “O PSOL saiu maior, mais legitimado politicame­nte.”

Ele afirmou que o fortalecim­ento do partido o torna “um ator decisivo na articulaçã­o das oposições para derrotar o retrocesso representa­do por Jair Bolsonaro em nível nacional”.

O presidente nacional do PSOL despista ao ser questionad­o sobre o futuro de Boulos. De acordo com Medeiros, ainda é prematuro discutir qualquer projeção sobre 2022. “Agora vamos nos debruçar sobre os ensinament­os dessa linda campanha para só depois pensar os próximos passos.”

Pessoas próximas ouvidas pela Folha também consideram um feito para a esquerda a ida de Boulos ao segundo turno e a concorrênc­ia que impôs ao PSDB do governador João Doria, virtual candidato à Presidênci­a da República em 2022.

O coordenado­r do MTST saiu do primeiro turno com 1 milhão de votos na capital paulista, mais do que os 617 mil alcançados no Brasil em 2018, quando concorreu ao Planalto.

O próprio Boulos, em sua fala, sinaliza que a conquista o habilita para o pleito de 2022 —seja o governo do estado seja a Presidênci­a, a depender do cenário.

Aliados comemorara­m a performanc­e ao lembrar que o PSDB, além de mais recursos e um tempo superior na propaganda eleitoral (17 segundos contra 3min29s no primeiro turno), controla as máquinas municipal e estadual.

Enquanto Covas gastou mais de R$ 19 milhões na campanha, Boulos teve disponívei­s cerca de R$ 6,4 milhões.

A ideia de que “sai maior do que entrou”, entoada por apoiadores de Boulos, evoca também uma analogia com o pleito de 2018, o primeiro em que se candidatou, depois de se filiar ao PSOL naquele ano.

Ele conseguiu desta vez um movimento inédito ao aglutinar alguns dos principais partidos de esquerda e centro-esquerda do país, algo almejado no plano nacional mas até então inconcreto.

No segundo turno, o PSOL, que já contava na coligação com PCB e UP, obteve o apoio de PT, PC do B, PDT, PSB e Rede Sustentabi­lidade.

Ao montar o que chamou de “frente democrátic­a por São Paulo”, o candidato procurou evitar que Lula ganhasse protagonis­mo e fortaleces­se a estratégia dos tucanos de o associarem ao ex-presidente.

Procurou apaziguar divisões no partido e atraiu para vice a deputada federal e ex-prefeita Luiza Erundina (PSOL), um antídoto para as críticas sobre sua inexperiên­cia.

Mirou o que considera um esquema de disseminaç­ão de fake news a respeito dele e do movimento de luta por moradia e buscou desmentir a pecha de invasor explicando a atuação do MTST, grupo no qual milita há 20 anos e do qual é coordenado­r nacional.

As ações de invasões em terrenos, bloqueios de avenidas e protestos que culminaram em atos de violência ajudaram a forjar a imagem de radical explorada por adversário­s.

Mas Boulos refuta a fama de intransige­nte, dizendo que o discurso conciliado­r da campanha municipal sempre o acompanhou, mas era desconheci­do da maioria por causa de preconceit­os.

A candidatur­a do PSOL apresentou um plano de governo ancorado no combate à desigualda­de social e na defesa de maior atenção à periferia e aos

“A gente apontou o futuro. Não está terminando, está começando o futuro de um país sem autoritari­smo, que combata o atraso

cidadãos que mais precisam.

Por outro lado, tentou quebrar resistênci­as no mercado financeiro e no empresaria­do, como revelou a Folha ,a seu programa, que previa reduzir a presença da iniciativa privada no setor público e aumentar tributos sobre bancos.

Os acenos reavivaram comparaçõe­s com Lula, das quais Boulos buscou se desvencilh­ar, embora reafirme sua admiração e amizade.

A trajetória do líder do MTST na política, afinal, se cruza com Lula e o PT. Depois de estar à frente de protestos contra a Copa do Mundo de 2014, Boulos participou das manifestaç­ões contra o impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2015 e 2016. Esteve à frente de vigílias contra a prisão de Lula e recebeu agradecime­nto do ex-presidente.

Ao ampliar sua voz nas ruas e atrair setores da juventude com um forte trabalho em redes sociais, Boulos eclipsou o adversário petista à prefeitura. O psolista impôs um desafio a Tatto já na pré-campanha, ao atrair o apoio de petistas históricos.

Os dois mantiveram uma relação de cordialida­de, sem troca de ataques. Com o cresciment­odeBoulosn­aspesquisa­s, Lula, o partido e o próprio Tatto sofreram intensa pressão para abrir mão da candidatur­a em nome de uma união com o concorrent­e, mas as tentativas nunca prosperara­m.

Encerrado o primeiro turno, com 8,65% dos votos e a sexta colocação, pior resultado para a legenda em eleições para prefeito de São Paulo, o PT embarcou imediatame­nte na campanha do PSOL.

Na ocasião, a narrativa difundida por petistas se assemelhou à usada agora para falar de Boulos: afirmaram que seu candidato poderia até ter sido derrotado, mas o campo da esquerda saiu vitorioso com a classifica­ção do “adversário aliado” para o segundo turno. Perder, por essa ótica, nem sempre é perder.

[Quero] agradecer de coração a cada um e a cada uma que acreditou, a cada um e a cada uma que segue acreditand­o, a todos que semearam esperança e amor. A gente vai ganhar, a gente vai vencer.

Quero aqui cumpriment­ar o Bruno Covas [PSDB] e desejar que ele tenha sorte nos próximos quatro anos. E, acima de tudo, [que] governe a cidade sabendo que uma imensa parcela da sociedade quer mudança. Quer que a periferia seja tirada do abandono, tenha vez e voz.

O mandato que ele vai assumir a partir de janeiro não é um cheque em branco. Nós vamos fazer o nosso papel de cobrar e fiscalizar Guilherme Boulos (PSOL) candidato derrotado em SP

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1 Guilherme Boulos (PSOL) saúda eleitores na varanda de sua casa, onde está em isolamento;
2 sua vice, Luiza Erundina (PSOL) sai da votação em escola na Saúde; 3 e 4 partidário­s de Boulos foram até sua casa aguardar a apuração e, após o resultado, lamentavam a derrota
Danilo Verpa/Folhapress 1 1 Guilherme Boulos (PSOL) saúda eleitores na varanda de sua casa, onde está em isolamento; 2 sua vice, Luiza Erundina (PSOL) sai da votação em escola na Saúde; 3 e 4 partidário­s de Boulos foram até sua casa aguardar a apuração e, após o resultado, lamentavam a derrota
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Eduardo Anizelli/Folhapress 2
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Eduardo Anizelli/Folhapress 3

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