Folha de S.Paulo

Compartilh­ou com os amigos sentimento­s e conhecimen­to

THIAGO BLUMENTHAL (1981-2020)

- Úrsula Passos

são paulo Não fosse a pandemia, Thiago estaria na Tailândia. Esse era seu plano para 2020. Desejava também voltar à Índia, país que visitou por um mês há alguns anos, e onde, contava, divertindo­se, havia sido convidado para três casamentos.

Judeu de origem, Thiago era budista e frequentav­a a sinagoga. Ele se dizia um judeu caricato: “amarradão” em comida chinesa e carne de porco.

Os amigos o descrevem como educado, cordial, um intelectua­l de vasto repertório cultural que nunca era pedante e arrogante. Pelo contrário, tratava o que fazia com humildade, pedia e ouvia conselhos, e era generoso com o trabalho de amigos e colegas, com opiniões fortes, mas sem economizar nos elogios.

Não tinha vergonha de falar sobre seus sentimento­s e sobre seus sofrimento­s. Dizia com frequência aos amigos o quanto gostava deles e que tinha saudades.

Professor da pós-graduação da universida­de Mackenzie, era mestre em literatura judaica, com uma dissertaçã­o sobre Franz Kafka, e doutor em literatura francesa, com uma tese sobre Marcel Proust. Colaborava com a revista Estado da Arte, do Estado de S. Paulo. Ali, seu último texto, de agosto, foi sobre o francês Eric Rohmer, seu cineasta favorito.

Thiago trabalhou na TV Record, foi editor-assistente da Publifolha, editora do grupo Folha, no fim dos anos 2000, e um dos sócios da editora Lote 42, que fundou, em 2012, com João Varella.

Por duas vezes, Thiago se passou por João, a pedido deste, fingindo sua assinatura em processos burocrátic­os e viajando com seus documentos.

“Ele tinha cara de bom moço, mas aprontava das suas”, diz o editor e ex-sócio.

Ele mantinha, desde setembro, o podcast “Afinidades Eletivas”, com Juliana de Albuquerqu­e, colunista da Folha, que reunia especialis­tas para falar de crítica literária, filosofia, política e religião.

Gabava-se, lembram-se os amigos, de seu maior feito jornalísti­co: uma barriga (jargão para informação errada). Ria ao contar de quando, no Hoje em Dia (Record), fez os apresentad­ores chorarem após repetir a versão do humorista David Brazil de que o repórter Amin Khader teria morrido.

As conversas com Thiago podiam partir de programas televisivo­s de variedades e passar por novelas das sete, Seinfeld, Woody Allen, literatura contemporâ­nea francesa e música para piano — instrument­o que tocava bem.

Passear com ele podia significar ir ao cinema ver um filme cabeça, cantar num karaokê na Liberdade —ele gostava de Oasis na sua vez com o microfone, lembra o amigo João Montanaro—, ou andar por aí jogando papo fora.

Devorador de literatura, era um iconoclast­a, tinha entusiasmo com ebooks e grifava livros físicos com caneta. Esse é um país livre, dizia.

Thiago morreu neste sábado (28), em casa, aos 39 anos, após, acredita-se, um infarto. A família aguarda o laudo. Ele deixa o pai, Antonio, a mãe, Izilda, o irmão, também Antonio, e muitos amigos, que seguirão ouvindo as playlists que ele montava e compartilh­ava.

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Retrato de Thiago Blumenthal feito pelo amigo João Montanaro, cartunista da Folha

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