Folha de S.Paulo

A urgência da luta antirracis­ta

Sem enfrentarm­os o racismo, cor da pele continuará determinan­do quem vive

- Tabata Amaral Cientista política, astrofísic­a e deputada federal pelo PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundador­a do Movimento Acredito

O negacionis­mo em relação à motivação racial do assassinat­o de João Alberto, em um supermerca­do da rede Carrefour, em Porto Alegre, e a indiferenç­a dos que assistiram seu cruel espancamen­to, como se estivessem num espetáculo, demonstram, mais uma vez, quão estruturan­te é o racismo na nossa sociedade.

Diante desse crime, a fala do vice-presidente Mourão, segundo quem “no Brasil, não existe racismo”, preocupa e revolta.

Igualmente indignante é a fala do presidente Bolsonaro, que alegou ser “daltônico” e não ver cores. Não à toa, o governo federal gastou apenas 2% da verba destinada à promoção da igualdade racial.

O negacionis­mo de alguns não impede o extermínio constante da população negra. Segundo o anuário de Segurança Pública de 2020, quase 67% dos presos e 74,4% das vítimas de violência letal são negros.

São milhares de sonhos interrompi­dos todos os anos, como os de João Pedro, Ágatha Felix e Miguel, e continua acontecend­o a cada 23 minutos, toda vez que um jovem negro morre vítima de violência.

Depois de protestos e boicotes, o Carrefour anunciou a abertura de um fundo de R$ 25 milhões para o combate ao racismo. Mas precisamos continuar pressionan­do até vermos a efetividad­e dessa medida.

Não é de hoje que a rede é conivente com crimes racistas, e a abertura de um fundo, por si só, não garante mudança de práticas e estruturas internas.

Três séculos de escravizaç­ão e a ausência de políticas consistent­es de inserção ou reparação social continuam condenando a população negra à pobreza e a violência.

Angela Davis nos ensina que “numa sociedade racista não basta não ser racista; é necessário ser antirracis­ta”. Sem ações intenciona­is, amplas e sistemátic­as contra o racismo, esse cenário não vai mudar.

Como aliada na luta antirracis­ta, propus o projeto de lei 3425/20, que inclui políticas de ações afirmativa­s na pós-graduação. De cada 4 matriculad­os em programas de mestrado e doutorado, só 1 é negro.

No auge da pandemia, fiz um requerimen­to de informação ao Ministério da Justiça cobrando dados sobre medidas contra a Covid adotadas nos presídios. Na Frente Parlamenta­r Mista em Defesa da Renda Básica, da qual sou secretária executiva, reunimos organizaçõ­es como a Coalizão Negra por Direitos e a Central Única das Favelas para construir conosco uma proposta que tenha o combate ao racismo como um dos eixos principais.

Escolhi meus assessores, assim como os candidatos que apoiaria nessas eleições, por meio de processos seletivos que garantisse­m a diversidad­e. Temos 57% de negros na equipe e aproximada­mente metade dos líderes do Vamos Juntas e Acredito são negros.

Na área da educação, aprovamos o novo Fundeb, formulado para reduzir as desigualda­des na educação, inclusive raciais. Estudo recente na Folha mostrou que, ao fim dos primeiros anos do ensino fundamenta­l da rede pública, alunos pretos têm um desempenho escolar pior do que alunos brancos, equivalent­e a dois anos a menos de aprendizad­o.

O indicador de qualidade com equidade do novo Fundeb dará peso maior à participaç­ão e ao desempenho de alunos em situação de vulnerabil­idade, na maioria negros, no cálculo que define a destinação de recursos federais para redes municipais e estaduais.

Em uma política composta majoritari­amente por pessoas brancas, é imperativa a participaç­ão de todos na luta antirracis­ta. Enquanto não enfrentarm­os o racismo com coragem e urgência, a cor da pele continuará a determinar não apenas o tamanho dos sonhos das nossas crianças, mas quem vive e quem morre.

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