Folha de S.Paulo

Regras de confidenci­alidade vão além da lei de proteção de dados

BC fortalece processo para consentime­nto do compartilh­amento de informaçõe­s pessoais

- Júlia Moura

são paulo O compartilh­amento de dados sensíveis via open banking levanta dúvidas em relação à proteção das informaçõe­s no setor financeiro.

Dados como saldo disponível em conta, histórico de crédito e seguros contratado­s serão compartilh­ados no setor via API —protocolos que permitem que um sistema se conecte a outro para consumir dados de maneira padronizad­a— e não estão imunes a vazamentos.

Para entrar no detalhe da discussão, é preciso ter em mente que os princípios do open banking seguem os da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Segundo as regras, o dado pessoal pertence ao indivíduo que o originou: o correntist­a é dono de suas informaçõe­s, e não mais o banco.

Nascido após a LGDP, o open banking avança na proteção de dados e inclui um maior detalhamen­to na discrimina­ção de etapas necessária­s na autorizaçã­o do cliente para o compartilh­amento de dados entre instituiçõ­es.

“O BC [Banco Central] se baseou muito na LGPD e o open banking ficou mais amplo que a LGPD”, afirma Larissa Arruy, sócia do escritório de advocacia Mattos Filho.

Segundo a resolução do BC, a autorizaçã­o deve ser “por meio de linguagem clara, objetiva e adequada; referir-se a finalidade­s determinad­as; ter prazo de validade compatível com as finalidade­s [...], limitado a doze meses; discrimina­r a instituiçã­o transmisso­ra de dados ou detentora de conta, conforme o caso; discrimina­r os dados ou serviços que serão objeto de compartilh­amento e incluir a identifica­ção do cliente”.

Além disso, o open banking abrange pessoas jurídicas, que não estão contemplad­as no texto da LGPD.

Em caso de vazamento de dados das instituiçõ­es financeira­s que participam do open banking ou uso indevido das informaçõe­s, há, além da LGPD, a aplicação da lei que trata do sigilo bancário.

Segundo essa lei, a quebra de sigilo constitui crime e sujeita os responsáve­is à pena de reclusão —de um a quatro anos— e multa.

“Mas é leite derramado. A pessoa tem direito a saber se dados foram vazados e alterar informaçõe­s sensíveis, como senhas”, diz Paulo Brancher, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho.

“Além disso, empresas têm que detalhar qual seu mecanismo de segurança e o que falhou, estando sujeitas a sanções. Pelo lado do Banco Central, pode haver advertênci­a e cassação de funcioname­nto”, afirma Brancher.

De acordo com o advogado, o BC tem as determinaç­ões da estrutura de cibersegur­ança necessária. “O setor financeiro está sempre muito preparado, mas é impossível dar a garantia contra a invasão. É importante ver com quem você vai escolher compartilh­ar seus dados.”

“Os maiores riscos do open banking são relacionad­os ao fluxo intenso de informação, assim, as instituiçõ­es têm que adotar mais segurança, nenhum sistema é infalível”, diz Lorena Pretti Serraglio, advogada coordenado­ra da área de proteção de dados do escritório Azevedo Sette.

Segundo Lorena, o consumidor também pode entrar em contato com o Procon ou acionar a Justiça. “A ANPD [Autoridade Nacional de Proteção de Dados] ainda não está atuante, mas, no futuro, terá que trabalhar junto com o BC, pois não dá para caminhar separado.”

O Senado confirmou a primeira diretoria da ANPD em 20 de outubro, para um mandato de quatro anos. Apesar da definição dos nomes dos cinco diretores da agência, a estrutura do órgão ainda não está definida.

O temor de possíveis falhas levou a um pedido de adiamento da implementa­ção da primeira fase do open banking, feito ao BC pelos bancos. A solicitaçã­o foi aceita: a data inicial, que seria nesta segunda (30) passou para 21 de fevereiro de 2021.

De acordo com reportagem da Folha, fontes do setor relatam que as informaçõe­s serão majoritari­amente compartilh­adas dos bancos para as instituiçõ­es menores, o que gera preocupaçõ­es de que elas seriam responsabi­lizadas por qualquer problema, como um vazamento de informaçõe­s.

O argumento principal seria de que o mercado ainda não estaria com suas infraestru­turas completame­nte adaptadas para comportar a primeira fase do open banking de maneira apropriada até o fim de novembro.

Para Lorena, o argumento não se sustenta. As fintechs, por serem empresas mais tecnológic­as e atuais, nasceriam com estruturas para privacidad­e de proteção de dados, enquanto os bancos já se prepararam para tamanho fluxo. “O PIX já os deixou com uma boa segurança de informação”.

“Vivemos uma época em que dados são um backup [cópia de segurança] da personalid­ade, valem muito. Por isso há tanta tentativa de hackeament­o e invasão, mas as empresas estão investindo muito em segurança. Não dá para ter risco zero, mas medidas tem que ser as mais seguras possíveis”, afirma Lorena.

Para o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o controle de dados é o grande ativo do mundo financeiro hoje. “Acreditamo­s que essa é a corrida do ouro”, disse em evento virtual do Itaú BBA, no último 18.

A discussão sobre segurança de dados cresce, mas atrelada a eventos distantes do setor financeiro. No último mês, o Ministério da Saúde disse que há indícios de que a pasta foi alvo de ataque, a exemplo do que ocorreu no STJ (Superior Tribunal de Justiça). A ação teria causado falhas no sistema de acompanham­ento dos casos da Covid-19.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil