Folha de S.Paulo

Setores de varejo e de pagamentos correm para se adaptar ao sistema

Open banking possibilit­a melhores experiênci­as para clientes e redução das taxas de juros

- Artur Búrigo e Mayara Paixão

florianópo­lis e são paulo Se grandes instituiçõ­es bancárias e fintechs correram para adaptar seus serviços para o início da implementa­ção do open banking no Brasil, movimento semelhante ocorreu nas maiores redes de varejo, pagamentos e soluções.

O reforço do time de engenharia de dados e as novas estratégia­s de segurança da informação mudaram a dinâmica das empresas que querem aproveitar a chegada do open banking para ampliar o leque de serviços oferecidos aos consumidor­es.

O relato é de participan­tes do seminário virtual Open Banking, realizado pela Folha na quinta-feira (26), com apoio da Mastercard.

No caso da multinacio­nal de pagamentos, as adaptações começaram há cinco anos, influencia­das pelo calor da discussão sobre a proteção de dados e o sistema financeiro aberto na Europa. “Vínhamos nos preparando para isso porque sabíamos que o momento chegaria”, diz João Pedro Paro, presidente da Mastercard Brasil e Cone Sul.

Buscar conhecimen­to em tecnologia foi a primeira etapa, explica. Mudar o manejo de dados foi essencial. No caso da empresa, uma cláusula interna garante que os dados dos clientes sejam apenas numéricos, sem a informação de nome e documento pessoal.

“Mudamos a empresa de A a Z”, diz Paro. “A Mastercard de antes representa­va mais ou menos um terço do tamanho que tem hoje.”

Com o open banking em um horizonte próximo, o executivo relata que a multinacio­nal planeja um pacote de soluções para oferecer aos clientes —tanto empresas, quanto consumidor final. Ferramenta­s de mais transparên­cia nas transações financeira­s e para evitar fraudes estão nos planos.

Já no varejo, a chegada do open banking tende a acelerar um movimento emplacado entre as grandes redes de lojas: a financeiri­zação. Muitas delas já têm instituiçõ­es financeira­s que atuam como bancos digitais e, se autorizada­s pelo Banco Central, poderiam aderir ao sistema de compartilh­amento de dados.

É o caso da Renner, grupo com mais de 600 lojas em operação e proprietár­io da instituiçã­o financeira Realize.

O diretor-presidente, Fabio Faccio, diz que o open banking é visto com bons olhos. “Quando algo tende a melhorar a concorrênc­ia, isso gera um custo mais baixo e uma economia para os clientes, o que é o nosso objetivo.”

A possibilid­ade de a empresa acessar o histórico bancário do cliente, afirma, permite oferecer melhores taxas. “Podemos ter uma gama maior de clientes e um risco menor.”

Mesmo as varejistas que não tiverem expandido seus serviços para o financeiro têm como aproveitar o open banking, diz Davi Cunha, head de fintech, pagamentos e open banking na SouthRock Lab e fundador da Comunidade Open Banking Brasil.

A SouthRock Lab nasceu como o braço de inovação da SouthRock Capital, holding que opera no Brasil as empresas Brazil Airports Restaurant­es, Starbucks e TGI Friday´s.

“É possível fazer acordos bilaterais entre a instituiçã­o autorizada pelo Banco Central e a varejista, por exemplo, e se estabelece­m regras para acesso aos dados”, explica. O acesso, mesmo que indireto, deverá ser autorizado pelo cliente.

Cunha afirma que o momento é de fortalecer parcerias para acelerar a experiênci­a digital dos clientes, como entre fintechs e empresas de varejo.

Segundo ele, há uma tendência de verticaliz­ação — quando uma companhia concentra todas as etapas de um produto, unificando o serviço.

“O cliente está no aplicativo do varejista e, além de comprar, pode acessar serviços financeiro­s e mesmo conseguir crédito para adquirir algo que deseja”, exemplific­a.

Faccio, da Lojas Renner, afirma que outro possível benefício do open banking e das demais transforma­ções do sistema financeiro, como a digitaliza­ção e o PIX, é a diminuição da taxa de juros, estimuland­o a competitiv­idade.

“São movimentos conjuntos que tendem a forçar essa queda, tanto pela maior disponibil­idade de informação com os dados fornecidos pelos clientes, o que mitiga riscos para as empresas, quanto pela livre concorrênc­ia que é estimulada”, explica.

Apesar de os custos e desafios para a adaptação ao novo sistema onerarem as empresas, Davi Cunha diz que é preciso olhar o outro lado da moeda. Os benefícios para os clientes e novas possibilid­ades de receita para as empresas compensam.

“Não podemos encarar o open banking somente como custo, mas como uma janela para novos negócios. É natural haver aumento de gasto com infraestru­tura, mas é possível reverter o custo em oportunida­des.”

Novo sistema abre parcerias entre bancos e fintechs

Mesmo antes do open banking entrar em vigor, as parcerias de negócios entre os atores desse novo mercado já vêm acontecend­o.

“Existem bancos brasileiro­s que estão com grandes programas de participaç­ão de fintechs como parceiras”, afirma Marisa Albuquerqu­e, vice-presidente da fábrica de softwares e inovação da Globalweb, empresa brasileira de TI criada há 25 anos, que oferece serviços de segurança e identidade digital, proteção de dados e conformida­de.

“O relacionam­ento dessas novas empresas com as grandes instituiçõ­es teve muitas mudanças nos últimos meses. Está migrando para uma parceria mais ativa, com ganho de receita compartilh­ado”, completa Albuquerqu­e.

Marcelo Prado, coordenado­r acadêmico do MBA em Estratégia de Mercado da FGV, observa esse cenário com otimismo.

“Fornecedor­es que integrarão esse modelo de negócios entre empresas (também conhecido como b2b, business to business) serão parceiros, não mais fornecedor­es. É positivo para todos os envolvidos”, diz.

Uma das fintechs que atuam no mercado de open banking é a Quanto, que recebeu neste ano aporte de US$ 15 milhões (R$ 80 milhões) dos dois maiores bancos privados do país, Bradesco e Itaú Unibanco. Para o diretor-executivo, Ricardo Taveira, o sistema financeiro aberto vai revolucion­ar a maneira com que os clientes encaram o banco.

Taveira faz uma comparação para explicar seu ponto. “As pessoas vão parar de olhar para o supermerca­do e focar em escolher o produto na prateleira. Cada área do banco deve conseguir aproveitar essa oportunida­de. Alguns segmentos já estão mais acostumado­s a distribuir os seus produtos na plataforma de terceiros, como as companhias que oferecem crédito imobiliári­o e financiame­nto de carro.”

Open banking só dá certo com lei de proteção de dados

Como todo serviço que envolve a comerciali­zação de dados dos usuários, a segurança das informaçõe­s também está no centro dos debates sobre o open banking.

Na opinião de Ricardo Taveira, da Quanto, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor no Brasil desde setembro, é “indissociá­vel” do novo sistema.

“Se a LGPD diz que o usuário é proprietár­io dos seus dados, o open banking é o sistema em que esse conceito se torna realidade. O cliente pode escolher como entregar suas informaçõe­s a outro banco para conseguir produtos ou taxas melhores.”

Marisa Albuquerqu­e, da Globalweb, diz que há uma novidade que o sistema deve trazer para os consumidor­es neste aspecto.

“Será necessário que eu possa ter a liberdade de autorizar ou revogar o compartilh­amento dos meus dados a qualquer momento”, explica. “As soluções de curadoria e cuidados com esses dados é que têm de ser o foco das instituiçõ­es com o open banking.”

O seminário foi mediado por Alexa Salomão, editora de Mercado da Folha. Os vídeos estão disponívei­s no site do jornal.

“Essa plataforma aberta vai destravar uma onda de inovação na área financeira como a gente viu nos últimos 20 anos com a internet de forma geral Bruno Magrani diretor de relações institucio­nais do Nubank

“Tenho expectativ­a de ver o mercado financeiro se transforma­ndo num marketplac­e, aonde você vai entrar num site e pode comprar produtos financeiro­s, como a gente faz no e-commerce Carlos Ragazzo professor da FGV

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Reinaldo Canato/Folhapress Transmissã­o do seminário sobre open banking, que reuniu representa­ntes de bancos, fintechs, varejo e universida­de
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Fotos Arquivo Pessoal
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