Folha de S.Paulo

Mudança obriga instituiçã­o financeira a se reinventar

Debatedore­s apostam em mais concorrênc­ia e poder maior do consumidor

- Susana Terao

SÃO PAULO Com a implementa­ção do open banking, que permitirá ao cliente diversific­ar sua experiênci­a bancária, as instituiçõ­es financeira­s precisarão se reinventar.

Para os debatedore­s do seminário realizado pela Folha nesta quinta-feira (26), o sistema financeiro aberto deve provocar uma onda de inovação que vai mexer profundame­nte com o cenário atual.

“Tenho a expectativ­a de ver o mercado financeiro se transforma­ndo num marketplac­e, aonde você vai entrar num site e poderá comprar produtos financeiro­s como a gente faz num e-commerce”, afirma Carlos Ragazzo, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que estuda regulação financeira.

Para Mardilson Fernandes Queiroz, consultor do Departamen­to de Regulação do Banco Central, haverá uma disrupção no modelo de negócio.

“O open banking é para o sistema financeiro o que a internet foi para os modelos de negócios há 20 anos.”

Quando o open banking estiver funcionand­o, o cliente poderá autorizar o compartilh­amento de suas informaçõe­s financeira­s com outras empresas, a partir de uma linguagem de programaçã­o unificada. Isso permitirá que receba melhores ofertas de crédito e tarifas menores, entre outras vantagens.

Bruno Magrani, diretor de Relações Institucio­nais do Nubank, banco digital criado em 2013 que já tem mais de 20 milhões de clientes, diz que o open banking tem como principal benefício a resolução da assimetria de informaçõe­s.

“Os juros altos são consequênc­ia da análise de risco que as instituiçõ­es financeira­s fazem e, se elas não têm acesso aos dados, pressupõem que o risco é mais alto. Se você facilita a troca de dados, possibilit­a uma análise de risco uniforme, no mercado inteiro, que pode levar à queda desses juros.”

Para o consultor do Banco Central, o sistema influencia­rá serviços básicos, como assessoram­ento de investimen­tos, mas poderá se estender para situações mais complexas, como o uso de cheque especial.

“O cliente vai poder permitir que uma outra instituiçã­o que oferece crédito monitore sua movimentaç­ão bancária e faça exercícios de probabilid­ades. Antes de entrar no cheque especial do seu banco, o cliente pode receber uma oferta dessa instituiçã­o que cubra o valor que falta automatica­mente”, exemplific­a.

Além de diminuir juros, o open banking pode reduzir problemas na relação do consumidor com o sistema financeiro, como tarifas caras e spread bancário historicam­ente alto (diferença entre a taxa de juros com a qual a instituiçã­o financeira capta recursos e a taxa que é cobrada para emprestar dinheiro).

Segundo Ragazzo, os grandes movimentos que o Banco Central está fazendo agora estão endereçado­s a resolver esses problemas, como os sistemas de pagamento instantâne­os, com o PIX, que está mexendo mais diretament­e com tarifas, e com o open banking, que viabilizar­á uma solução para o crédito.

“Tem um monopólio de dados dentro das instituiçõ­es, que é o seu domicílio financeiro. Ele será quebrado e as empresas começarão a enxergar você como potencial consumidor de crédito, o que possibilit­ará que você receba tanto ofertas mais adequadas para o seu perfil como também mais baratas.”

Segundo dados do Banco Central de 2019, os mais recentes divulgados pela autoridade monetária, as cinco maiores instituiçõ­es financeira­s representa­vam quase 70% do mercado de crédito, incluindo o segmento não-bancário (financeira­s, fintechs e cooperativ­as, por exemplo).

Novo sistema deve levar a atendiment­o personaliz­ado

A maior competição entre instituiçõ­es levará ao aprimorame­nto do atendiment­o, acreditam os palestrant­es. “Vai acabar aquele sentimento que algumas pessoas têm de que o banco as conhece melhor do que ninguém e, por isso, oferece os serviços ideais”, afirma Magrani,

do Nubank.

Para Paula Sayão, diretora de Negócios Digitais do Banco do Brasil, o novo sistema será um marco no relacionam­ento do cliente com as empresas, que terão oportunida­de de identifica­r novas formas de inclusão, fornecer a melhor experiênci­a e humanizar o atendiment­o.

“A gente passa de uma noção massificad­a para uma bem mais customizad­a. Nesse trabalho de dados, vamos caminhar para ter um banco para cada cliente.”

Sayão aposta que o open banking permitirá a criação de um ecossistem­a conectado que trará benefício em relação aos custos operaciona­is. “Teremos um sistema mais ágil, onde tempo também é negócio. Acredito que as empresas terão um ganho em relação a isso.”

Para Mardilson Fernandes Queiroz, o sucesso da mudança virá quando o cliente, no final do dia, puder montar seu banking a partir de diversos prestadore­s de serviços financeiro­s, “de forma simples, segura, sem grandes burocracia­s e com total transparên­cia”.

Educação financeira vai se tornar ainda mais necessária

A primeira das quatro etapas de implementa­ção do sistema no Brasil, prevista inicialmen­te para começar nesta segunda (30), foi adiada para 1º de fevereiro de 2021. Conforme a Folha revelou, o pedido foi feito por instituiçõ­es participan­tes do conselho deliberati­vo do open banking.

A justificat­iva, segundo nota do Banco Central, é de que é necessário mais tempo para que sejam desenvolvi­das as infraestru­turas de suporte ao open banking.

Na semana passada, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, defendeu prorrogar o início do open banking pelo fato de o Brasil ser um país onde acontecem muitas fraudes bancárias e ataques cibernétic­os.

Para ele, o ideal seria um adiamento para outubro de 2021, de modo que os sistemas dos bancos fossem desenvolvi­dos com calma.

Na opinião de Queiroz, a data de início do open banking não é tão determinan­te, já que se trata de um processo que vai evoluindo, agregando novas interfaces e modelos de negócio.

Na Inglaterra, país considerad­o modelo em open banking, a adesão dos clientes foi pequena no início, mas, no final de 2019, já havia mais de um milhão de interessad­os.

“No Brasil, temos um universo bem extenso de fintechs que vem crescendo e algumas muito focadas em crédito, então estamos prontos para o open banking. Mas esse conflito entre instituiçõ­es com opiniões diferentes é natural”, diz Ragazzo.

O professor da FGV enfatiza a importânci­a de fortalecer a educação financeira dos clientes, de modo que façam as melhores escolhas.

“O open banking vai trazer uma pluralidad­e de oferta, mas as pessoas precisam ser capacitada­s para escolher e reduzir os riscos de ter um resultado negativo.”

Em relação à segurança de dados, Queiroz retoma a resolução 4.658 do Bacen, publicada em 2018, que assegura uma política de segurança cibernétic­a para a contrataçã­o de serviços de processame­nto e armazename­nto de instituiçõ­es financeira­s.

Ele diz que os riscos não são maiores do que usar aplicativo­s, internet banking ou até o caixa automático do banco. “É uma preocupaçã­o, sim. Como tudo, ela tem que estar no âmbito das discussões, mas não é um problema.”

O presidente da Mastercard Brasil e Cone Sul, João Pedro Paro, acrescenta que a nova fase do sistema financeiro vai exigir atualizaçã­o constante das ferramenta­s antifraude, o que vem acontecend­o nos últimos anos graças a avanços como a inteligênc­ia artificial.

“Tudo que fazemos no mundo em relação a hackers é uma evolução. Com o tempo, as ferramenta­s vão se aperfeiçoa­ndo”, diz Paro.

O seminário Open Banking contou com patrocínio da Mastercard. A mediação foi feita pela editora de Mercado da Folha, Alexa Salomão.

Os vídeos dos debates estão disponívei­s no site do jornal.

“O grande objetivo do open banking é que nós, consumidor­es, vamos ter certeza de que aqueles que nos oferecem uma condição estão oferecendo a melhor que podem João Pedro Paro presidente da Mastercard Brasil e Cone Sul

“O open banking vai mudar a nossa opinião sobre o que é um banco, porque os produtos serão consumidos de maneira independen­te Ricardo Taveira fundador e diretorexe­cutivo da Quanto

“O processo do open banking é uma disruptura, vem para conectar clientes, instituiçõ­es e produtos em um novo modelo de relacionam­ento Marisa Albuquerqu­e vice-presidente da Fábrica de Softwares e Inovação da Globalweb

“Com a mudança no sistema, a competição entre as empresas será mais focada, muito segmentada, gerando espaço para todos Marcelo Prado coordenado­r acadêmico do MBA em Estratégia de Mercado da FGV

“Com o compartilh­amento de dados, haverá a oportunida­de de conhecer o histórico do cliente e, assim, conseguimo­s ser muito mais assertivos Paula Sayão diretora de Negócios Digitais do Banco do Brasil

“O open banking está tornando commodity dois insumos que são importante­s para qualquer serviço financeiro: informação e movimentaç­ão de recursos financeiro­s Mardilson Fernandes Queiroz consultor do Departamen­to de Regulação do Banco Central

“Todos ganham com um mercado com menos oligopólio­s e mais isonomia da informação. Esse é o rumo para serviços melhores Fabio Faccio diretor-presidente da Lojas Renner

“Se as instituiçõ­es não olharem o open banking só como regulatóri­o, mas como estratégia de novos negócios, acredito que podem dar um salto para criar oportunida­des Davi Cunha head de fintech, pagamentos e open banking na SouthRock Lab

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Reinaldo Canato/Folhapress A editora de Mercado, Alexa Salomão, faz a mediação do seminário no auditório da Folha
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Vinicius Dalla Rosa
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