Folha de S.Paulo

Segurança ao armazenar dado sustenta novo sistema

- Leonardo Neiva

são paulo Com o compartilh­amento de dados bancários entre instituiçõ­es promovido pelo open banking, aumentam as preocupaçõ­es com a segurança dessas informaçõe­s, cujo vazamento pode ter impactos consideráv­eis.

Embora os bancos já invistam fortemente em formas de proteção, o Banco Central deve passar a monitorar as propostas de segurança de todas as instituiçõ­es que vão integrar o sistema. Geralmente vistos como o elo fraco da cadeia, especialis­tas alertam que os clientes também devem se precaver contra fraudes.

O aumento do número de instituiçõ­es em que os dados bancários ficarão armazenado­s pode ser um problema, afirma João Lucas Brasio, diretor-executivo da Elytron, empresa especializ­ada em consultori­a de segurança da informação.

A questão é matemática: quanto mais cópias desses dados estiverem por aí, multiplica­m-se as chances de que empresas tenham alguma falha que leve ao vazamento.

“É como se você tivesse uma réplica da chave do seu veículo em tudo quanto é lugar: quanto mais houver, maior a possibilid­ade de seu carro ser furtado”, afirma.

Além disso, uma dor de cabeça em potencial é o comportame­nto humano, que, para Brasio, é representa­do pela “ansiedade de clicar, clicar, clicar e não ler nada”. Segundo ele, caso não haja um investimen­to em aprendizad­o e conscienti­zação por parte dos bancos, os usuários se tornarão alvos fáceis de golpes.

Um dos riscos é o de que hackers consigam enviar pedidos de autorizaçã­o de acesso a dados bancários em nome de empresas.

“Vamos supor que, por exemplo, apareça uma empresa tentando consultar o seu crédito sem você ter feito um pedido: é preciso ficar atento e não autorizar”, diz o especialis­ta em segurança da informação Fabio Sobiecki.

De acordo com profission­ais da área de segurança, as precauções gerais para os usuários do open banking não são muito diferentes das que já são recomendad­as na maioria dos casos: ter um bom antivírus, trocar senhas com frequência, não dar cliques em mensagens suspeitas, para citar o básico.

Um ponto crítico em questão de segurança são as APIs, interfaces que vão fazer a ligação para o compartilh­amento de dados entre bancos e outras instituiçõ­es.

Segundo Umberto Rosti, chairman da consultori­a Safeway, elas precisarão ter métodos rígidos de segurança, como criptograf­ia e autenticaç­ão de acesso. “Vários fatores podem trazer a exposição de dados, mas o principal é garantir ao seu usuário quem está acessando a plataforma.”

Segundo a presidente da Comissão de Dados e Privacidad­e da OAB-RJ, Estela Aranha, a segurança tem sido uma preocupaçã­o do Banco Central desde o início do projeto.

“Todas as instituiçõ­es participan­tes terão que enviar uma proposta de funcioname­nto do sistema, que deverá ser analisada e aprovada pelo BC”, diz Aranha. “Elas também vão ficar responsáve­is por elaborar relatórios semestrais sobre os dados compartilh­ados.”

No caso de vazamento, de acordo com a advogada, a responsabi­lidade é da instituiçã­o que está em posse desses dados. Já em vigor, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) prevê punições que vão desde advertênci­as até multa, cujo valor pode chegar a 2% do faturament­o da empresa para cada incidente.

As sanções poderão começar a ser aplicadas às empresas a partir de agosto de 2021. Órgão responsáve­l pela fiscalizaç­ão da aplicação da LGPD, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais está atualmente em processo de formação.

Os consumidor­es que se sentirem lesados de alguma forma também podem entrar com ações judiciais individuai­s contra a empresa, adverte a advogada Elaine Ferreira, sócia do escritório Rueda & Rueda.

O sucesso da ação, porém, vai depender do tipo de informação vazada. Apenas documentos pessoais, por exemplo, têm menos relevância do que dados bancários. “Vão ter que ser analisados caso a caso, porque há informaçõe­s que, quando vazadas, dão um prejuízo monstruoso, e outras nem tanto”, diz Elaine.

‘Cola digital’, APIs trazem protocolos de proteção

Peças essenciais no modelo brasileiro de open banking, as APIs (interfaces de programaçã­o de aplicações, da sigla em inglês) são conjuntos de regras e padrões que permitem a troca de informaçõe­s entre sistemas diferentes. Serão elas as responsáve­is pelo envio e recebiment­o de dados entre instituiçõ­es.

“São uma cola digital que une duas pontas”, afirma Fábio Rosato, diretor de soluções da Sensedia, especializ­ada em gerenciame­nto e consultori­a sobre APIs. “Essas pontas podem ser empresas, dispositiv­os conectados na internet, e elas estão por trás de tudo que fazemos, desde consultar o email no aplicativo até pedir um Uber.”

Na prática, as APIs são endereços virtuais que retornam informaçõe­s no formato de dados estruturad­os. A partir deles, é possível fazer leituras, transformá-los numa tela de aplicativo ou até trabalhá-los com o uso de inteligênc­ia artificial.

Embora formatos semelhante­s a esse sejam usados há décadas, a API moderna nasceu no início dos anos 2000, utilizada por empresas de ecommerce como Amazon e eBay para criar um ecossistem­a de parcerias.

Para Renato Terzi, presidente da GR1D, marketplac­e brasileiro de APIs, a simplicida­de é o que torna as interfaces seguras. “São tão simples que, se você tentar enviar um vírus, não cabe. Elas identifica­m e brecam o comando indevido.”

Além disso, segundo Rosato, no caso do open banking, as APIs receberão várias camadas de proteção, como identifica­ção e autorizaçã­o de acesso, criptograf­ia e certificad­os de segurança.

Embora seja tarefa difícil invadir o sistema por meio das APIs, Terzi considera que é possível usá-las num esquema de fraude. Por exemplo, sobrecarre­gando-as com transações para derrubar o sistema e tentar identifica­r alguma vulnerabil­idade.

“Não existe segurança completa, mas é possível garantir que seja preciso um custo muito alto para quebrá-la. Neste momento, as APIs são muito seguras.”

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