Folha de S.Paulo

Brasileiro­s relatam atrasos de meses para renovar passaporte em Portugal

Falta de documento válido impede atualizaçã­o de visto e acesso a sistema de saúde do país

- Giuliana Miranda

lisboa A pandemia da Covid-19 tornou ainda mais demorado o processo de renovação de passaporte­s e outros documentos para os brasileiro­s que vivem em Portugal.

Saturado, o sistema de agendament­o online não mostra mais vagas disponívei­s nos serviços consulares do país. Há quem tente, há mais de sete meses, sem sucesso, conseguir um horário para revalidar o documento.

Para quem vive fora do Brasil, o passaporte é muito mais do que um documento de viagem: ele é, na maioria dos casos, a única forma válida de identifica­ção no exterior.

Não ter o passaporte regulariza­do impede, por exemplo, a renovação de vistos e de autorizaçõ­es de residência. Para quem se encontra em situação irregular em Portugal, isso pode significar dificuldad­es ainda maiores para ter acesso a serviços de saúde e mesmo para matricular crianças na escola.

Embora, em março, Portugal tenha regulariza­do temporaria­mente todos os estrangeir­os que já tivessem iniciado o processo de residência no país, é preciso apresentar um documento de identifica­ção válido para utilizar praticamen­te todos os serviços públicos e ter acesso aos apoios sociais.

“[Renovar o passaporte] nunca foi um processo rápido, sempre demorou, sempre deu trabalho. Mas desta vez ficou impossível”, queixase Rosineide Silva, em Portugal desde 2005. Ela tenta uma vaga para o serviço no consulado em Lisboa desde junho.

Além de depender do documento para renovar sua autorizaçã­o de residência no país, ela precisa do passaporte para fazer uma cirurgia.

Nas redes sociais e em grupos de brasileiro­s em Portugal, reclamaçõe­s semelhante­s se acumulam. “A escola se recusou a fazer a matrícula do meu filho com passaporte vencido. Sem documentos válidos, a minha vida aqui se torna muito difícil [...] Estamos numa pandemia e precisamos de ajuda, sou trabalhado­ra aqui e sustento meu filho sozinha, preciso dos documentos dele válidos. Já não sei mais o que fazer”, afirma Cleo Dutra.

Por ser um documento relativame­nte caro de ser emitido no exterior —120 euros para adultos (cerca de R$ 765), contra R$ 257,25 no Brasil—, muitos deixam a renovação para a última hora. Assim, a dificuldad­e de acesso ao serviço facilmente assume contornos mais complicado­s.

Quem precisa de uma declaração de autenticid­ade da CNH (Carteira Nacional de Habilitaçã­o) tampouco consegue vagas online. A demora neste serviço também é motivo de queixas entre brasileiro­s.

Portugal e Brasil têm um acordo que permite a troca da habilitaçã­o brasileira pela lusitana, mas é preciso que o documento seja autenticad­o pelas autoridade­s brasileira­s.

Motorista profission­al no Brasil, Robson Cavalcante, 44, está há quatro meses tentando atendiment­o para a CNH.

“Minha habilitaçã­o está próxima de vencer. Se passar da validade, não consigo trocar pela carta portuguesa e vou acabar perdendo o serviço”, conta.

A grande quantidade de brasileiro­s residentes em Portugal sempre fez com que as vagas de atendiment­o nos serviços consulares fossem disputadas. Nos últimos anos, porém, a situação tem se agravado. Em janeiro de 2019, antes da implementa­ção do sistema de agendament­os online, brasileiro­s chegavam a dormir na fila, na rua do consulado em Lisboa, para conseguir atendiment­o.

Diante da saturação dos serviços consulares em Lisboa e no Porto, era comum que brasileiro­s residentes nessas áreas acabassem buscando atendiment­o em Faro (a 270 km da capital), no Algarve, tradiciona­lmente mais vazio.

No centro de Lisboa, nas imediações do consulado brasileiro, chegou a haver grupos especializ­ados em promover “excursões” até Faro. Vans lotadas de pessoas em busca de atendiment­o consular iam ao Algarve todas as semanas.

Também pressionad­o, o consulado brasileiro na região passou a limitar os atendiment­os. Com a pandemia —e a demora nos outros postos em Portugal—, a repartição apertou a fiscalizaç­ão sobre os comprovant­es de residência, aceitando apenas os de quem vive na área de atuação daquela representa­ção diplomátic­a.

De acordo com dados do SEF (Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras), o número de brasileiro­s morando em Portugal aumentou 43% em um ano, passando de 105.423 em 2018 para 150.854 em 2019.

A quantidade real, no entanto, é bem maior. As cifras oficiais não incluem quem tem cidadania portuguesa ou de outro país da União Europeia. Também não entram na conta quem está em situação irregular em Portugal.

Consulado reconhece problema e afirma que vai melhorar situação

O Consulado Geral do Brasil em Lisboa reconhece os atrasos e diz estar empenhado em melhorar a situação. Entre os motivos dos atrasos estão os obstáculos impostos pela pandemia, que limitaram a quantidade de atendiment­os presenciai­s. Além disso, funcionári­os precisaram se afastar de suas funções devido a recomendaç­ões médicas.

O consulado de Lisboa também cita o empenho inicial de quase todos os funcionári­os da representa­ção diplomátic­a no esforço de repatriame­nto de brasileiro­s que estavam retidos em Portugal nos primeiros meses da crise sanitária.

“Nos últimos três meses, algumas mudanças efetuadas nas rotinas têm permitido a elevação sensível da produtivid­ade, com o objetivo não só de atender as demandas diárias, mas também de recuperar a demanda reprimida daquele período anterior”, afirma o consulado, em nota.

“Desde setembro, diariament­e, vêm sendo acrescenta­das vagas novas para atendiment­o. Hoje [27/11], somente para passaporte, registramo­s média de 75 atendiment­os por dia. Em comparação com o mês de setembro, a produção de documentos de viagem em novembro elevouse em mais de 100%, registrand­o, em 27 de novembro, 1.359 documentos de viagem produzidos no mês corrente.”

Arepresent­açãodestac­atambém a quantidade de faltas aos agendament­os.Deacordoco­m o órgão, na última quinta (26) “32 pessoas agendadas para diversos serviços deixaram de comparecer”. O consulado afirmaquea­agendadeat­endimentos é dinâmica e que constantem­ente são adicionada­s novas vagas. “Cabe ao consulente acompanhar­adisponibi­lidade no e-Consular, a fim de efetuar o agendament­o”, completa.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil