Folha de S.Paulo

Você está no mudo! Liberdade para o Zoom

É preciso repactuar as regras pessoais e profission­ais de uso da plataforma

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Trabalhado­res cognitivos do mundo todo, uni-vos! É preciso repactuar uma nova forma de trabalhar pelo Zoom.

Não há a menor dúvida de que o aplicativo fundado por Eric Yuan, chinês naturaliza­do norte-americano, salvou o trabalho e as interações pessoais de muita gente durante a pandemia. O Zoom era a tecnologia que estava na hora e no lugar certos para o momento de recolhimen­to social.

Isso se reflete nos números da empresa. No segundo trimestre de 2020, reportou receita de US$ 663 milhões, um aumento de 355% em relação ao mesmo período no ano anterior. E contabiliz­ava 300 milhões de pessoas que se conectavam a uma reunião digital diariament­e.

O número de minutos gastos em reuniões online por ano saltou de 100 bilhões, em janeiro, para 2 trilhões, em abril, mais de 20 vezes.

Com tanto sucesso, o Zoom criou uma cultura própria. Se tivesse de escolher uma das frases mais marcantes de 2020, com certeza “você está no mudo” estaria nas finalistas. Só que o Zoom também traz problemas que precisam ser enfrentado­s, muitos deles relacionad­os à saúde mental no trabalho.

Primeiro, vale dizer que, se você trabalha por Zoom, faz parte de uma camada privilegia­da. No Brasil, há 70 milhões de pessoas que não têm conexão de internet suficiente para fazer uma reunião sequer no Zoom. Tanto é que só 10% da população entrou em regime de home office. Então essas questões dizem de fato respeito a um segmento específico da população no país.

Feitas essas qualificaç­ões, o primeiro ponto é que a fadiga de Zoom é real. Poucas são as aplicações da rede capazes de exigir tanta atenção. Para quem usa a plataforma de modo intensivo, o quadrado da câmera do computador torna-se uma espécie de gaiola. Se a reunião é longa, então, a experiênci­a vai se tornando progressiv­amente excruciant­e. A exigência de foco vai ficando cada vez mais difícil de ser cumprida.

Um dos sintomas dessa fadiga é a famosa “bufada” que a maioria das pessoas dá quase sem pensar quando uma videoconfe­rência termina. Na internet, há uma coleção de vídeos de pessoas flagradas fazendo isso (um bom parceiro de “você está no mudo” é o toque amigo “sua câmera está ligada”).

O que fazer? O problema da fadiga do Zoom é tanto tecnológic­o como social. Já escrevi sobre os aspectos tecnológic­os em outra coluna aqui. Já quanto aos aspectos sociais, é preciso repactuar as regras pessoais e profission­ais de uso da plataforma.

A começar pela exigência de manter a câmera ligada o tempo todo. Essa exigência é muito mais para exercer controle do que comunicaçã­o. Não faz sentido exigir que um grupo enorme de pessoas fique em silêncio fitando uma câmera minúscula enquanto só uma pessoa fala.

O segundo ponto é que precisamos combinar uns com os outros que é totalmente ok dar atenção apenas parcialmen­te a uma videoconfe­rência. Nesse sentido, deveria ser aceitável que uma pessoa, ao lhe ser perguntado subitament­e sobre algo que está sendo discutido, possa dizer: “Desculpe, não estava prestando atenção. Podem repetir a pergunta e o ponto em discussão?”.

Essa repactuaçã­o social tiraria um enorme peso de plataforma­s como o Zoom. A saúde mental agradece. Eu também.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil