Folha de S.Paulo

Desmate na Amazônia volta a bater recorde

Área derrubada na floresta foi a maior da última década, mais de 11 mil quilômetro­s quadrados

- Phillippe Watanabe

O desmatamen­to na Amazônia cresceu cerca de 9,5% entre agosto de 2019 e julho de 2020 em comparação ao mesmo período de 2018 a 2019 —no total, foram derrubados 11.088 km² de floresta nesse intervalo. A área desmatada é a maior da última década. O salto ocorre mesmo com a presença do Exército.

O desmatamen­to na Amazônia cresceu cerca de 9,5% de agosto de 2019 a julho de 2020 em comparação com o período anterior, de 2018 a 2019. No total, foram derrubados 11.088 km² de floresta nesse intervalo de tempo apesar da presença do Exército, sob a Operação Verde Brasil 2.

Os dados consolidad­os do ano, divulgados nesta segunda-feira (30), são os primeiros totalmente sob responsabi­lidade do governo Jair Bolsonaro (sem partido) porque só englobam sua gestão.

A área desmatada é a maior da última década, segundo os dados consolidad­os do Prodes (Projeto de Monitorame­nto do Desmatamen­to na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O valor é provisório e o definitivo será apresentad­o somente no ano que vem.

A divulgação contou com a participaç­ão do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República e chefe do Conselho da Amazônia, e de Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, não estava presente.

Na visita, Mourão e Pontes viram o Amazônia 1, novo satélite do Inpe que está em reta final de desenvolvi­mento. Com o novo aparelho, esperase que evolua a capacidade de monitorame­nto da Amazônia do Inpe. Segundo o instituto, ele segue para a Índia no fim de dezembro e deve ser lançado em fevereiro de 2021.

Durante entrevista à imprensa, Mourão fez um discurso mais duro em relação ao desmatamen­to do que as declaraçõe­s tradiciona­lmente feitas pelos integrante­s do governo Bolsonaro.

“Não estamos aqui para comemorar nada disso, porque isso não é para comemorar”, afirmou. Ele também disse que o cresciment­o foi inferior ao que se esperava inicialmen­te e voltou a repetir que o combate ao desmatamen­to ilegal em 2020 começou tarde.

“O resultado provisório do Prodes significa que nós temos que manter a impulsão do nosso trabalho na busca constante para a redução dos índices de desmatamen­to”, disse Mourão. “É chegar o momento em que o único desmatamen­to que ocorra na região da Amazônia seja aquele que esteja compreendi­do pela nossa legislação. Ou seja, aquele de uma propriedad­e que tenha direito a desmatar 20%, então é só esse desmatamen­to que pode ocorrer.”

O vice-presidente também fez aceno para as autoridade­s ambientais de fiscalizaç­ão, como o Ibama, alvos constante de críticas de Bolsonaro desde a época da campanha presidenci­al. “Vamos prosseguir, nesse nosso trabalho, usando ciência, usando a tecnologia, com inovação e com isso apoiando os trabalhos das entidades responsáve­is pela fiscalizaç­ão ambiental”, disse.

O Prodes anterior, referente ao período de agosto de 2018 a julho de 2019, apontou um salto de 34% em relação ao ano anterior e um desmatamen­to total de 10.129 km².

O Pará, que lidera o desmatamen­to, foi responsáve­l por 46,8% do desmate no bioma. Em seguida, aparecem Mato Grosso, com 15,9%, e Amazonas, responsáve­l por 13,7% da destruição no período.

A tendência de aumento do desmatamen­to na Amazônia teve início em 2012. Desde o início do governo Bolsonaro, porém, a destruição mantém uma aceleração acentuada e preocupant­e.

O desmatamen­to recorde já estava no horizonte de pesquisado­res da área e servidores do Ibama, mas o valor total da área derrubada não foi, de fato, tão alto quanto se esperava. Em todos os meses do período em questão, com exceção de outubro, o sistema Deter, do Inpe, registrou aumento do desmatamen­to em relação ao mesmo mês do ano anterior. Foram 14 meses seguidos de cresciment­o da destruição.

O Deter tem a função de fornecer dados que auxiliem na fiscalizaç­ão de crimes ambientais, mas pode também ser usado para verificar tendências gerais de aumento ou diminuição de destruição. Já o Prodes, de maior precisão, aponta os dados finais e consolidad­os.

Entre os dois últimos dados do Prodes, porém, houve uma mudança importante: a presença quase contínua das Forças Armadas na Amazônia com as Operações Verde Brasil, convocadas a partir de GLOs (Garantia da Lei e da Ordem).

O Exército esteve presente na floresta por aproximada­mente cinco dos meses do Prodes atual (entre final de agosto e final de outubro de 2019, e de maio a julho de 2020), atuando em campo na estação seca da floresta, período que costuma ter mais desmatamen­to e queimadas.

O uso do Exército, que ainda está na floresta, é uma das únicas ações concretas do governo Bolsonaro que visam frear o desmatamen­to, mas a tática não trouxe resultados satisfatór­ios até o momento, apesar de declaraçõe­s recentes no sentido contrário do general Mourão.

Na apresentaç­ão dos resultados do Prodes, o vice-presidente voltou a afirmar que, após o início do trabalho do Exército na Amazônia neste ano, percebeu-se o início de uma tendência de queda. Os dados, porém, não embasam a fala de Mourão.

A derrubada da mata na Amazônia é acompanhad­a por um cresciment­o das queimadas na região. Até 22 de outubro deste ano, os focos de calor registrado­s no bioma superaram o total de 2019.

Em nota, o Observatór­io do Clima, entidade que conta com a participaç­ão de mais de 50 ONGs, afirma que o dado divulgado nesta segunda não é surpreende­nte “para quem acompanha o desmonte das políticas ambientais no Brasil desde janeiro de 2019”.

O Observatór­io também afirma que a taxa de desmate alcançada “oficializa que o Brasil descumpriu a meta da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), a lei nacional que preconizav­a uma redução da taxa a um máximo de 3.925 km² em 2020”.

Na mesma nota, Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatór­io do Clima, diz: “Estamos perdendo acordos comerciais, transforma­ndo nosso soft power literalmen­te em fumaça e aumentando nosso isolamento internacio­nal num momento em que o mundo entra num realinhame­nto crítico em relação ao combate à crise do clima”.

Também em nota, Cristiane Mazzetti, porta-voz de Amazônia da ONG Greenpeace Brasil, afirma que “perdemos uma área de 7,29 vezes o tamanho da cidade de São Paulo no ano considerad­o pelo Prodes”. A ONG associa o cresciment­o ao “desmonte dos órgãos” e a “políticas antiambien­tais”.

Segundo a ONG WWF-Brasil, o novo aumento ocorre por causa da “sensação de impunidade”, evidenciad­a pelos baixos números de penalidade­s por desmatamen­to ilegal registrado­s em 2019 e 2020.

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Lalo de Almeida - 20.ago.20/Folhapress Área desmatada na região do município de Apuí, no sul do Amazonas
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