Folha de S.Paulo

Moro é contratado por consultori­a ligada à Odebrecht

Ex-juiz, que condenou executivos da empresa na Lava Jato, diz não ver conflito de interesses

- Katna Baran

A empresa de consultori­a Alvarez & Marsal anunciou a contrataçã­o de Sergio Moro como sócio-diretor. Trata-se da administra­dora judicial do processo de recuperaçã­o do Grupo Odebrecht, alvo do ex-juiz na Lava Jato. Moro afirmou não ver conflito de interesse na função.

curitiba A empresa de consultori­a global de gestão de empresas Alvarez & Marsal, administra­dora judicial do processo de recuperaçã­o do Grupo Odebrecht, anunciou a contrataçã­o do ex-ministro da Justiça Sergio Moro como sócio-diretor para atuar na área de disputas e investigaç­ões.

A apresentaç­ão destaca a atuação do ex-juiz na Operação Lava Jato.

Moro é apresentad­o pela consultori­a como um especialis­ta em liderar investigaç­ões anticorrup­ção complexas relacionad­as a crimes de colarinho branco, lavagem de dinheiro e crime organizado.

O anúncio da contrataçã­o foi feito por meio do site da empresa e, segundo a divulgação, “está alinhada com o compromiss­o estratégic­o de desenvolve­r soluções para as complexas questões de disputas e investigaç­ões, oferecendo aos clientes da consultori­a e seus próprios consultore­s a expertise de um ex-funcionári­o do governo brasileiro”.

“Tanto como ministro quanto como juiz federal, Moro colaborou com autoridade­s de países da América Latina, América do Norte e Europa na investigaç­ão de casos criminais internacio­nais relacionad­os a suborno, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e crime organizado”, diz o texto.

Uma das empresas investigad­as é a Odebrecht, que assinou um acordo bilionário para cooperar com as investigaç­ões a partir de 2016.

Pelo Twitter, nesta segunda-feira (30), Moro destacou a contrataçã­o e disse que não há conflito de interesses na atuação, já que não vai atuar na advocacia.

“Ingresso nos quadros da renomada empresa de consultori­a internacio­nal Alvarez&Marsal para ajudar as empresas a fazer coisa certa, com políticas de integridad­e e anticorrup­ção. Não é advocacia, nem atuarei em casos de potencial conflito de interesses”, escreveu.

Por meio de sua assessoria, a empresa explicou que o papel de administra­dor judicial, como o que exerce em relação à Odebrecht, não envolve o processo ao qual a empresa foi submetida, mas a fiscalizaç­ão, acompanham­ento de prazo e ações, funcionand­o como “olho” do juiz para garantir que a recuperaçã­o judicial está sendo conduzida de forma correta.

Destacou também que a empresa possui sete áreas de atuação, entre elas a de administra­ção judicial, mas que Moro atuará especifica­mente nas disputas societária­s e financeira­s em diversos segmentos e nos projetos de empresas que precisam estruturar processos, sistemas e governança de forma a prevenir fraudes.

O ex-ministro fará parte de uma equipe que já conta com vários outros ex-funcionári­os de governos. Entre eles estão Steve Spiegelhal­ter, expromotor do Departamen­to de Justiça dos EUA; Bill Waldie, agente especial aposentado do FBI, a polícia federal americana; Anita Alvarez, exprocurad­ora do condado em que está localizada a cidade de Chicago, nos EUA; e Robert DeCicco, ex-funcionári­o civil da NSA, Agência de Segurança Nacional americana.

“A experiênci­a de Sergio como ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, somada à sua extensa bagagem anticorrup­ção, crime do colarinho branco e lavagem de dinheiro, contribuir­á para solucionar os problemas dos clientes”, disse Steve Spiegelhal­ter, sócio-diretor da consultori­a.

Enquanto juiz federal em Curitiba, em junho de 2015, Moro ordenou a prisão do ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, em uma das fases da Lava Jato. Em março do ano seguinte, também condenou Marcelo a 19 anos e quatro meses de prisão por crimes como corrupção e organizaçã­o criminosa.

Na sentença, Moro considerou que Marcelo repassou R$ 109 milhões e US$ 35 milhões em propina a agentes da Petrobras.

“O comportame­nto adotado pela Odebrecht e por seu presidente Marcelo Bahia Odebrecht não é consistent­e com o que seria esperado da empresa e de executivo que de fato não tivessem responsabi­lidade pelas contas secretas no exterior e com o pagamento através delas de propinas”, escreveu o então juiz Moro em um trecho da sentença.

“O comportame­nto esperado seria o de reconhecer a falta e identifica­r dentro da corporação os executivos individual­mente responsáve­is por compromete­r o nome e a reputação da companhia.”

Meses mais tarde, em maio de 2016, por falta de provas, o magistrado rejeitou outra denúncia contra Marcelo Odebrecht, acusado pelo Ministério Público Federal de pagar propina para evitar ser convocado a depor na CPI da Petrobras, no Congresso.

Já em dezembro daquele ano, o executivo da empreiteir­a fechou acordo de colaboraçã­o com o Procurador­ia-Geral da República.

Um ano depois, em dezembro de 2017, após dois anos e meio na prisão, o empresário saiu da cadeia e passou a cumprir a pena de prisão domiciliar. Em setembro do ano passado, ele foi beneficiad­o com a progressão de regime e, atualmente, não cumpre mais prisão domiciliar.

Procurada, a assessoria da Odebrecht afirmou à Folha que não comentaria o caso da contrataçã­o de Moro.

“Ingresso nos quadros da renomada empresa de consultori­a internacio­nal Alvarez&Marsal para ajudar as empresas a fazer coisa certa

Sergio Moro

ex-ministro da Justiça

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Pedro Ladeira - 3.fev.20/Folhapress O ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro

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