Folha de S.Paulo

Brasil e Argentina deixam diferenças de lado em reunião

Presidente brasileiro lamenta morte de jogador, e argentino fala em ‘diferenças do passado’

- Ricardo Della Coletta, Julio Wiziack, Julia Chaib e Sylvia Colombo

Na primeira reunião bilateral com o presidente Alberto Fernández, Jair Bolsonaro lamentou morte de Maradona e conversou sobre ambiente e Mercosul.

O brasileiro se recusava a falar com o argentino desde outubro de 2019, quando o peronista foi eleito na Argentina.

BRASÍLIA E BUENOS AIRES Na primeira reunião bilateral com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, nesta segunda-feira (30), o presidente Jair Bolsonaro iniciou a conversa com condolênci­as pela morte de Diego Armando Maradona, no último dia 25.

O líder brasileiro ainda não havia se manifestad­o sobre o episódio. De acordo com relatos, Bolsonaro se solidarizo­u com o povo argentino e disse que o ex-jogador de futebol, que era ligado a figuras históricas da esquerda, como Hugo Chávez e Fidel Castro, foi “um grande atleta” que marcou o esporte.

“Todos sentimos muito pelo que ocorreu com Maradona”, disse o presidente brasileiro.

O encontro, que teve como pano de fundo a celebração do Dia da Amizade Argentino-Brasileira, foi realizado por meio de videoconfe­rência e durou cerca de 40 minutos.

A data foi instituída em 1985, quando houve o encontro dos presidente­s José Sarney e Raúl Afonsín em Foz do Iguaçu. Sarney também participou do encontro nesta segunda e desejou sucesso ao argentino.

Essa foi a primeira conversa direta entre Bolsonaro e Fernández, com quem o brasileiro se recusava a falar desde outubro do ano passado, quando o peronista foi eleito para comandar o maior parceiro comercial do Brasil na América Latina.

À época, o líder brasileiro fez campanha para Mauricio Marcri, presidente que buscava a reeleição. Após o pleito, Bolsonaro afirmou que não cumpriment­aria Fernández e criticou o “retorno do kirchneris­mo” ao país vizinho, o que identifico­u como uma guinada de rumo da Argentina “em direção à Venezuela”. Além do mais, Bolsonaro não compareceu à posse de Fernández em Buenos Aires e enviou o vicepresid­ente Hamilton Mourão como representa­nte do Brasil.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do brasileiro, foi ainda mais explícito em postagens nas redes sociais nas quais criticou o governo argentino. Em setembro, afirmou que o que estava acontecend­o na Argentina devido à longa quarentena imposta por Fernández era uma calamidade e que o país tinha sido “destruído por seu governo socialista em poucos meses”.

Em julho, Bolsonaro e Fernández participar­am de uma videoconfe­rência de líderes do Mercosul, na qual também estavam os presidente­s Mario Abdo Benítez (Paraguai), Luis Lacalle Pou (Uruguai), Sebastián Piñera (Chile), Ivan Duque (Colômbia) e a ex-presidente boliviana Jeanine Añez.

Apesar dos choques entre Bolsonaro e Fernández, recentemen­te houve uma aproximaçã­o entre os países, desde que o embaixador Daniel Scioli assumiu o cargo em Brasília. Há poucos dias, Scioli e Eduardo estiveram juntos em um jantar com outros diplomatas.

À Folha o embaixador afirmou que a conversa com o deputado federal brasileiro foi “informal e relaxada” e que a Argentina queria “colocar o foco nas coincidênc­ias e na agenda positiva com o Brasil”.

A nomeação de Scioli —excandidat­o a presidente e exgovernad­or de Buenos Aires— foi avaliada como um sinal de que o governo argentino considera prioritári­o manter relações amistosas com o Brasil, mesmo diante das diferenças ideológica­s entre os dois presidente­s.

No encontro virtual, em que houve o auxílio de tradutores, o presidente argentino pediu que as “diferenças do passado” sejam deixadas para trás e que “o futuro seja encarado com as ferramenta­s que funcionam bem” para os dois países, “potenciali­zando todos os pontos de acordo”. Fernández também pediu que Argentina e Brasil trabalhem juntos na área ambiental, “um assunto que nos preocupa muito”. “Devemos fazer um acordo de preservaçã­o”, disse ele, antes de acrescenta­r que o país tem condições de desenvolve­r fornecimen­to de gás ao Brasil.

O Palácio do Planalto não fez divulgação prévia sobre a reunião, que não constou na agenda oficial de Bolsonaro. O presidente, no entanto, fez uma publicação nas redes sociais sobre a conversa. No fim da tarde, o Twitter do Planalto também divulgou o encontro.

“Videoconfe­rência com o presidente da Argentina, Alberto Fernández. Dia da amizade, instituído pelo ex-presidente José Sarney em 1985. Comércio Brasil-Argentina em pauta”, escreveu o brasileiro.

Após as falas iniciais, de acordo com pessoas que acompanhar­am a reunião, os mandatário­s abordaram as prioridade­s dos respectivo­s governos na agenda bilateral. Fernández defendeu o aprofundam­ento da integração no Mercosul, enquanto Bolsonaro ressaltou a meta de reduzir a TEC (Tarifa Externa Comum) e ampliar os acordos comerciais do bloco.

Esses dois temas contrapõem o governo peronista na Argentina e a administra­ção Bolsonaro. Os argentinos resistem a baixar a TEC, sob o argumento de que essa decisão prejudicar­ia sua indústria nacional, e, por isso, têm colocado travas às negociaçõe­s de tratados comerciais.

A TEC é um imposto de importação partilhado entre os sócios do Mercosul e precisa da anuência dos quatro membros para ser reformada. Por isso, ainda que tenha chamado o bloco de “nosso pilar de integração”, Bolsonaro destacou a necessidad­e de criar “mecanismos mais ágeis e menos burocrátic­os”.

Segundo assessores do Planalto, um fator que pesou na aproximaçã­o dos mandatário­s foi o recente movimento de Fernández para se afastar de sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner, ícone peronista.

Ambos discordam sobre os rumos que o país deve tomar para contornar os danos causados pela pandemia de Covid-19 à economia argentina.

Na conversa, ambos os líderes também debateram a pandemia de Covid-19 e a expectativ­a do lançamento de uma vacina. O argentino agradeceu ao governo brasileiro por ter permitido a exportação excepciona­l de midazolam, sedativo usado no tratamento de pacientes com coronavíru­s. Houve convites de visitas presidenci­ais de ambos os lados para um futuro próximo, quando estejam dadas as condições sanitárias.

Também discutiram a possibilid­ade de se realizar, em breve, uma cerimônia com os presidente­s dos quatro sócios do Mercosul. A ideia é que essa reunião ocorra no Uruguai.

A proposta, segundo debateram Bolsonaro e Fernández na videoconfe­rência, é realizar um ato que sirva como demonstraç­ão de força do bloco comercial. Formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o Mercosul vive um momento delicado diante da diferença de opiniões dos seus dois maiores sócios.

Enquanto o Brasil prega uma maior abertura comercial do bloco, os argentinos adotam uma postura mais protecioni­sta, o que gerou atritos com o governo Bolsonaro.

 ?? Divulgação Casa Rosada ?? O presidente argentino, Alberto Fernández, acompanha videoconfe­rência com Jair Bolsonaro, Ernesto Araújo e Flávio Rocha
Divulgação Casa Rosada O presidente argentino, Alberto Fernández, acompanha videoconfe­rência com Jair Bolsonaro, Ernesto Araújo e Flávio Rocha

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